Tome Nota: Semana santa e impressões culturais conquistenses…

Por Mariana Kaoos

*Errata: Quero agradecer ao meu leitor fiel, Gilmar Dantas, por atentar a um pecadilho na minha coluna Burburinhos Culturais, datada no dia 22 de março, quando disse que o show do Hotel Mambembe seria a primeira apresentação autoral em Vitória da Conquista, quando na verdade diversos outros grupos e cantores já se apresentaram também dessa maneira. É sempre bom ter gente ligada ao mundo da cultura prestando atenção no que nós, jornalistas, escrevemos. Isso é uma forma de elevarmos o nível do debate cultural e jornalístico na cidade. Reitero que estou aberta a outras observações desse tipo, ao mesmo tempo que me disponho a continuar noticiando o trabalho autoral ou não dos artistas do sudoeste baiano. 

Queridões, como vocês passaram de feriado? Ganharam muitos ovos de páscoa? E os quilinhos a mais, foram adquiridos por conta da comilança santa? Regalo total? A sexta-feira foi mesmo da paixão? Olha, vocês não baú, então tratem de me contar logo tudo que eu estou curiosérrima, querendo saber se esses últimos dias foram sagrados ou profanos nessas nossas terras do sertão.

Bom, para não ficarmos todos tímidos aqui, naquele silêncio constrangedor, eu posso começar contando do meu feriadão delícia e de algumas impressões culturais que tive ao longo desses dias:

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

– O Hotel Mambembe se apresentou nessa última quinta-feira, lá no nosso querido Teatro Municipal Carlos Jehovah, com o tão esperado show autoral e fatal. E o que eu tenho a dizer é: divino, maravilhoso. Foi uma experiência totalmente diferente para mim. Digo, ver Euri Meira e Alexandrina Santana cantando, pela primeira vez, músicas suas.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

A impressão que tive foi de que, naquele espaço, naquele momento, ambos estavam oferecendo não apenas qualidade e interpretação musical ao público, e sim um pouco da história, das vivências, das impressões, percepções de existência deles com eles mesmos, com Vitória da Conquista e com o mundo. Tudo muito sensível e intenso. Como temos muitíssimos artistas de qualidade na cidade, acredito que seja essa a hora de pensarmos em mais produções autorais para o ano de 2016.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Coincidência ou boa obra do destino, sempre que vou assistir a alguma apresentação no Carlos Jehovah, na saída, me desloco imediatamente para o Canto do Sabiá. E não existe melhor escolha que essa. A cerveja é sempre gelada e a cachaça não poderia ter mais sabor. O som é de qualidade independente do estilo musical que está tocando. O frio não chega, porque fogueira e calor humano não faltam nunca. Educação e carinho são elementos presentes no nosso amado Sabiá e em todos os seus funcionários. Encantos mil e conversas e sorrisos e desejos e danças e descobertas e paixões reverberam durante toda a noite. As pessoas que mais tenho gostado de conhecer, bem como as que mais tenho me encantado, vira e mexe, estão sempre por lá, com um papo legal e um desejo ávido de consumir cultura das boas. Então, quem não conhece, ainda não foi no Canto do Sabiá, precisa ir, pra ontem, pra já, o quanto antes, e se permitir a desfrutar do canto dos passarinhos e das mais outras mil belezas que residem naquele reino.

– A sexta-feira foi regalo total. Quem gosta de um dendê aproveitou para se fartar da iguaria em pratos como caruru, vatapá, moqueca e o que mais pudesse e coubesse nas nossas barriguinhas santas. Fui almoçar fora com minha mamãe e minha avó e descobri umas coisas bacanas sobre o almoço da sexta-feira santa:

.Embora a doutrina evangélica siga a bíblia sagrada, ela não reconhece o feriado, por entendê-lo como uma tradição judaica (e eles acreditam que foi justamente a tradição judaica quem matou Jesus Cristo). Os evangélicos também não se abstêm da carne vermelha (nem na quaresma e nem na semana santa) por acreditarem que o problema é o que sai da boca e não o que entra nela.

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.Esse negócio de comer caruru e vatapá é uma tradição baiana, única e exclusivamente. Isso se deve por conta no forte sincretismo religioso que vivemos aqui no nosso estado. O caruru tem nome e temperos de origem africana. Ele, assim como o vatapá, eram preparados nas senzalas, na época da escravidão. Posteriormente, ambos os pratos (assim como o xinxim de galinha, feijão fradinho e banana frita) passaram a ser ofertados aos orixás em algumas religiões como a umbanda e o candomblé. Ou seja, ainda que a semana santa seja uma premissa da igreja católica, aqui na Bahia, ela também traz elementos culturais de outras doutrinas religiosas.

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Ainda na sexta-feira rolou um show de Luiza Audaz lá no Aquarius Gourmet. Intitulado Batuque Brasil a apresentação teve como repertório o que de melhor e mais groovado tem sido feito na nossa música popular brasileira. Não cheguei a tempo de ver o show, mas quem esteve por lá me garantiu que foi uma delícia cremosa. Luiza, para mim, é uma das cantoras mais fatais e criativas de Vitória da Conquista. Sua postura em palco possui uma voracidade sem fim. E suas composições, bom, suas composições são fortes, intensas, lascivas. Para tristeza dos fãs e admiradores de plantão, Luiza anda meio sumida da noite cultural conquistense nesse ano de 2016. Espero, esperamos que Luiza e mais projetinhos gostosos apareçam por aí e movimentem com qualidade o nosso cenário cultural.

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Sabe aquela música dos Novos Baianos intitulada Mistério do Planeta? Então, tem um trecho dela que diz assim, ó: “Vou mostrando como sou e vou sendo como posso, jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos…”. Pois então, ela, essa frase, é uma coisa ótima de ser posta em pratica. Veja bem, meu camarada, se permitir a viver outras coisas e a conhecer pessoas é algo mesmo magnífico. Eu acredito que nunca tenha andado tão feliz durante os meus 26 anos de existência como ando agora. Topar o que pintar, o que vier. Conversar, se enturmar, se entrosar com novos mundos, novos papos, novas cores, novas gentes. Se debruçar sobre as inúmeras diferenças humanas e perceber a beleza da heterogeneidade. Conservar, obviamente, os profundos e amados laços de amizade com os nossos, mas abrir o horizonte para outras perspectivas e surpresas do caminho. Porque, como dizia o poeta, “a vida só se dá pra quem se deu”.

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Esse fim de semana eu assisti novamente aquele filme A Paixão de Cristo (2004), com direção do Mel Gibson, que narra as últimas doze horas de vida de Jesus. Bom, assim como da outra vez, fiquei chocada com algumas coisas como a questão da violência exacerbada e escancarada no filme. É incômodo ver aquilo tudo. Já diferentemente da outra vez, consegui observar um aspecto que, para mim, antes passou batido: Não ocorre apenas com ilustrações, Jesus também é representado dentro de um padrão de beleza eurocêntrico na indústria cinematográfica. Branco, cabelos lisos, olhos verdes (ou azuis), corpinho sarado. Fico aqui analisando a força que essa identidade possui e a capacidade dela de excluir e não reconhecer outras formas, outras maneiras de representatividade social. O que mais me chamou a atenção é que, em uma rápida pesquisa sobre filmes com essa temática, em absolutamente todos, Jesus corresponde com essa imagem e ela é difundida no mundo inteiro, mas inteiro inteirinho mesmo. Eu estou batendo nessa tecla desde a semana passada porque, não sei se vocês se deram conta, Jesus é o maior e mais popular personagem que a humanidade conhece. E, para completar, ele é tido, por uma cacetada de gente, como o ser mais puro e espiritual que já passou por esse planeta. Logo, pessoas que têm um estereótipo correspondente com esse padrão (brancos, olhos azuis e etc) semelhante “ao de Jesus”, são mais puras e espiritualizadas? E quem foge disso e possui outros atributos, outras características distintas a essas, como a cor da pele e textura do cabelo, são pessoas impuras e menos espiritualizadas? Dei uma pesquisada rápida pela web à procura de artigos acadêmicos que pudessem abordar essa questão da representação (como causa) de Jesus Cristo e suas consequências (exclusões identitárias) sociais. Não achei absolutamente nada a respeito e, portanto, deixo aqui a seguinte indagação: Se Jesus fosse representado como negro ou árabe ou índio ou qualquer outra maneira que não a hegemônica, ele teria a mesma força, o mesmo impacto social que tem até hoje?

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Engraçado como a gente até conhece alguns produtos culturais, mas só passamos a consumi-los na hora e no momento certo, não é mesmo? Vocês já perceberam isso? Enfim, eu acredito que tenha a ver com maturidade e também com energia, poder de compreensão sensitiva. Estou falando disso porque só agora, aos meus 26 aninhos de pura gostosura e malandragem é que fui conhecer um disco deliciosíssimo de Sergio Sampaio. Sim, estou chocada, embasbacada, me perguntando como consegui viver até hoje sem ele, o disco. E bom, Sergio Sampaio foi um cantor popular brasileiro. Considerado um dos “malditos” da música brasileira (assim como Tim Maia, Itamar Assumpção e Raul Seixas) por levar um estilo de vida meio transviado e marginal, o cara tem umas composições belíssimas, muitas delas, inclusive, influenciadas por Augusto dos Anjos e Franz Kafka, autores de seu apreço. O disco em questão se chama Tem Que Acontecer. Ele é do ano de 1976, mas foi reeditado em cd pela Warner em 2002. Voraz. Esse é o primeiro adjetivo que penso quando escuto a obra. Voraz, intenso, dilacerante, cru, cruel, conquistador. Tem Que Acontecer é uma espécie de auto reconhecimento/descoberta em narrativas, detalhes, histórias e melodias propostas por Sergio. O disco cai bem tomando uma cerveja, ou sem fazer nada. Recomendo que ele seja ouvido de manhã, de tarde, de noite e, se possível, baixinho de madrugada. Fechando os olhos dá uma onda legal. De olhos abertos também. É preciso estar atento à poesia das composições e ficar de braços abertos para as possíveis sensações que o disco irá causar. Quem não ouviu tem que ouvir. E ah, acho também que seria maravilhoso se algum dos nossos artistas conquistenses quisessem fazer uma homenagem a Sergio, viu? Bem acho que a galera iria enlouquecer de felicidade.

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Ah, não posso deixar de comentar essa: Tirei o sábado para vegetar em casa. Liguei a televisão e adivinha o que estava passando? Hum? Não faz ideia? Tá bem, vou dizer logo: Estava passando a sagra Crepúsculo ( Lua Nova, Amanhecer partes 1 e 2). Kaoosinha aqui, que sempre foi metida a intelectualóide, até então, nunca tinha assistido nada de Crepúsculo. Bom, devo confessar que eu não só adorei, como achei o máximo e suspirei todas as vezes que Bella beijava Edward. Porque olha, não tem esse, não tem essa que diga que não curte um enlatado vez em quando. O que dizer das Branquelas? E Esqueceram de Mim 2: Perdido em Nova York? E Tudo Para Ficar Com Ele? E As Panteras? Digam ai, quem nunca quis ser uma das panteras? Gente, partindo do pressuposto de que as vezes, bem as vezes, não queremos pensar em nada, assistir a um besteirol é uma ótima distração para a cabeça. Crepúsculo tem uma história comum, como todas as histórias: A mocinha que se apaixona pelo mocinho (apesar de novos elementos estarem incorporados ao “mocinho”) e que tem uma árdua e difícil jornada de amor. No fim, depois de inúmeras aventuras e provações, eles ficam juntos e felizes para sempre. É mais do mesmo, eu sei. Assim como as representações de beleza, moral e bons costumes. Contudo, Crepúsculo tem uma fotografia bacana e uns efeitos visuais também. Não podemos esquecer que ele movimentou milhões e foi um sucesso de bilheteria. Outro ponto positivo, é que a saga provém dos livros de Stephenie Meyer. Logo, quem virou fã dos filmes, muito provavelmente leu os livros. Ou seja, não deixa de ser um estímulo à leitura e isso já é um grande começo (é aqui que eu confesso que me apaixonei pela literatura, aos 11 anos, devorando a obra completa de Paulo Coelho. Sem julgamentos, por favor). Enfim, quero poder escrever algo mais aprofundado sobre a saga Crepúsculo que, querendo ou não, é um produto pop e de massas dentro da indústria cultural e que não podemos fechar os olhos. Minha sugestão é: Vamos todos (re)assistir? Ai coloco as minhas impressões e vocês as suas, o que acham?

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Queridos, é hora de dar tchau! Oh, eu sei que estava bom, estava gostoso essa nossa interação, mas nós (eu e vocês) ainda temos o mundo para dar conta, não é mesmo? É tomar banho, tomar café, ler aquele livro que estamos atrasados, pagar a conta no banco, fazer a unha, levar filho para escola, cuidar da gente, lutar (independente do posicionamento) pela política e pelo nosso país, dar amor aos nossos, mandar um poeminha para aquela paixão platônica, malhar, pensar, sentir, viver, enfim, são tantos os nossos afazeres que, por hora, não vou mais me estender aqui. Lembrando que, nesse corre corre, nesse turbilhão de obrigações e deveres que temos diariamente, é necessário que encontremos um tiquinho de prazer, felicidade e amor nas pequenas belezas do cotidiano e que as vezes passam quase que despercebidas por nós. Sendo assim, escolhi o meu melhor momento do feriado para me despedir de vocês porque foi nele, nesse momento, em que eu percebi a preciosidade e o significado da existência humana: Malu, minha amiga irmã, estava dando de mamar para Antônio, seu filho, meu afilhado e Menino Deus, de dois meses. Estávamos eu e mais nossas outras amigas irmãs todas reunidas, sorrindo, relembrando os melhores e piores momentos dos nossos mais de dez anos de amizade. De repente, começou a tocar Esotérico, uma música de Gilberto Gil e que Malu gosta bastante. Nesse momento, enquanto Antônio mamava, ela cantava para ele. Cantava com tanto amor, mas tanto amor e devoção, que eu nunca vi nenhuma cena tão forte e bonita como aquela. Sem reação, mas com o peito transbordando de bons sentimentos, eu fechei meus olhos, sorri e agradeci a Jesus pela dádiva da existência e pela honra de ter me concedido conviver com pessoas, com amigas tão maravilhosas assim. Em meu ser, finalmente, o significado da páscoa se concretizou!



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