Tome Nota: O tempo passou na janela e só Carolina não viu!

Por Mariana Kaoos

“Cidades como séculos – um século atrás do outro. Na frente do outro. O tempo se ultrapassa no espaço do tempo. Agora é nunca mais, e nunca antes. Agora é jamais – um século atrás do outro. Na frente do outro. Ao lado. Um dia é paralelo ao outro. Isso tudo é um esquema muito chato enquanto a coisa anda: Isso é que é legal, do mesmo jeito que é legal saber que isso tudo pulsa. De alguma maneira, no ponto misterioso do desenho. Princípio, fim. Total e único. Geral. Cidades. Ninguém pode mais que deus!”.

Sem choro, nem vela: Os dias estão passando absurdamente rápidos e, no meio deles, uma infinidade de acontecimentos tem nos atropelado e nos deixado boquiabertos com a complexidade de seus desdobramentos e intenções. Quem não acompanhar o curso da história vai ficar para traz. É preciso ser ágil, ter sacada e poder de síntese. O leão ruge, crianças. Ruge e promete, com suas garras afiadas, caçar de um em um todos aqueles que estão dando bobeira e fechando os olhos para a evidência dos sinais postos de que algo maior está para acontecer. Não, não adianta me taxar de insana ou da louca das teorias conspiratórias. Eu sei que você, que todos vocês também estão sentindo a energia terrestre se movimentar de maneira estranha, misteriosa, turva.

A nível nacional, estamos presenciando um desmantelo da política e a gestação de um possível sistema neo fascista que, se nascer, virá berrando aos quatro ventos e mamando com tudo nas tetas do governo.  No quesito religião, para os crentes como eu, vimos, há pouco menos de uma semana, Divaldo Franco, um dos maiores líderes religiosos brasileiros, pedir para que orássemos de maneira veemente, pois os espíritos de luz estão tendo uma dificuldade para atuar entre nós. E a sociedade, que dizer da sociedade que parece ter entrado num momento de insanidade coletiva? Bater em um cachorro porque ele usava vermelho? Pichar, depredar a sede da UNE e outras entidades? Agredir verbalmente pessoas nas ruas por conta da cor que elas usam nas roupas ou na bicicleta? Até mesmo nas nossas famílias, me digam, por favor, em que momento passamos a colocar as diferenças e as ofensas como prioridade e prática maior do que o amor? Ou, melhor ainda, em que momento o amor deixou de nos unir e passamos a nos enxergar como inimigos por conta de diferenças ideológicas?

O tempo está fechado e, ao que tudo indica, irá chover incertezas por todos os lados. A premissa são as grandes e desastrosas inundações e quem não estiver com seu bote salva vidas, vai morrer afogado na beira da praia. Portanto, crianças, se faz urgente ficarmos em vigília, atentos e fortes, unidos com os nossos e, principalmente conscientes e lúcidos com a certeza da nossa história passada, bem como da nossa atual conjuntura. Sendo assim e assim sendo, decidi aqui elencar algumas obras culturais que possibilitam um viés de questionamento e compreensão acerca dessa tromba d’agua que, ao contrário das enganosas aparências, foi começar no leito rio, beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem lá atrás. Acredito que a saída seja mesmo pela esquerda, mas que a libertação, sem sombra de dúvidas, virá pela cultura:

Raízes do Brasil, Casa Grande e Senzala e Formação do Brasil Contemporâneo:

raizes do brasil

O primeiro livro é de Sergio Buarque de Holanda, do ano de 1936. O segundo, de autoria de Gilberto Freyre, de 1933. Já Formação do Brasil Contemporâneo ficou por conta de Caio Prado Júnior e sua primeira publicação é datada no ano de 1948. Os três são de fundamental importância para começarmos a ter uma luz de compreensão sobre a nossa constituição física, psicológica, religiosa, moral e ética enquanto sujeitos pertencentes a uma nação. Ou seja, Sérgio, Gilberto e Caio esmiúçam os pormenores sociológicos da história do Brasil, desde a sua descoberta, que nos traduzem enquanto brasileiros. A questão da colônia, a escravidão e até mesmo a nossa construção cultural enquanto sujeitos cordiais são abordadas nas obras.

Terra em Transe – Glauber Rocha:

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Esse filme é considerado por muitos a maior e mais importante obra de Glauber, bem como do Cinema Novo. Do ano de 1967, Terra em Transe revela a história da fictícia República do Eldorado, onde o jornalista (e protagonista) Paulo Martins é também um poeta idealista ligado ao universo da política. Através dele, a história se desenrola, mostrando os mais distintos personagens com suas tendências políticas. O filme foi muito mal recebido pelos críticos na época em que foi lançado. Isso é até plausível de compreensão, já que Terra em Transe proporciona uma exaustiva crítica e abusa da ironia para retratar o contexto político brasileiro (inclusive o da própria esquerda) através da metáfora da ficção.

Música “É Proibido Proibir” e discurso de Caetano Veloso no Festival Internacional da Canção de 1968:

caetano

É, no mínimo, interessante ouvir o discurso de Caetano no Festival Internacional da Canção e perceber como os artistas que possuíam um viés crítico em suas obras se portavam socialmente. A canção É Proibido Proibir é uma grande sátira, irônica, cínica e inteligentíssima, sobre a falta de liberdade de expressão cultural no período ditatorial. Mas não só. A música também evoca um dos gritos da juventude que havia virado Paris de cabeça para baixo em maio de 1968. Após se apresentar com a canção e ser vaiado pelo público, Caetano faz um discurso caloroso sobre a alienação da juventude brasileira, a coragem e enfrentamento cultural dele e de Gilberto Gil, dentre outros pontos.

O Bandido da Luz Vermelha –Rogério Sganzerla:

o bandido da luz vermelha

Esse é O FILME do Cinema Marginal brasileiro. Para quem não sabe, o Cinema Marginal foi uma corrente ideológica cultural cinematográfica ainda mais radical que o Cinema Novo, por não se preocupar com a claridade dos fatos. O cinema Marginal possui nos seus moldes estéticos, uma busca constante por uma linguagem que mostre uma relação direta, pessoal e subjetiva da imagem com o cinema, a política, a arte e a vida. O Bandido da Luz Vermelha narra a história de Jorge, um assaltante de casas, sempre auxiliado por uma lanterna vermelha que, dentre várias aventuras, se envolve com uma prostituta, conhece outros assaltantes e é traído por um político corrupto. Quando, perseguido e encurralado, o personagem encontra no suicídio a saída para a sua existência de crimes. O Bandido da Luz Vermelha é do ano de 1968.

A Ordem do Discurso – Michel Foucalt:

 

Do ano de 1970, esse é um livro bem pequeninico, mas cheio de complexidade e análises sobre as questões discursivas. Foucault apresenta a hipótese de que, em toda a sociedade, a produção dos discursos é altamente controlada por diversos fatores e que há procedimentos, internos e externos, para tal controle. Ele também fala dos procedimentos de imposição de regras aos sujeitos discursivos e aponta duas perspectivas (crítica e genealógica) para se fazer uma possível análise dos discursos. Essa obra é de fundamental importância, pois ela nos orienta como categorizar, avaliar e, acima de tudo, filtrar inúmeros discursos sociais que ouvimos e assimilamos por aí.

Alucinação – Belchior, 1976:

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Nesse ano de 2016, Alucinação completou quarenta anos de existência e permanece mais vivo do que nunca. Ele é o segundo álbum de Belchior e contém faixas como Apenas Um Rapaz Latino Americano, Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida. Todas as músicas de Alucinação falam muito de juventude, solidão e dos percalços da existência. Algumas permanecem como o retrato fiel da nossa juventude, outras revelam as dificuldades do seguir em frente, mas a necessidade da esperança e o resgate de valores essenciais para a sobrevivência e convivência humana.

1968: O Ano Que Não Terminou – Zuenir Ventura:

Foi lançado em 1989. A linguagem, apesar de ser bem jornalística, é de fácil acesso a qualquer um. A narrativa é gostosa de ler e fala sobre os fatos que marcaram o conturbado ano de 1968 no mundo e, principalmente, no Brasil. O livro é fundamental para a compreensão da constituição cultural e política da época e, principalmente, para uma possível análise do primeiro grande ato público, até então, ocorrido no País: A passeata dos cem mil.

A Identidade Cultura na Pós Modernidade – Stuart Hall:

identidade stuart

A primeira publicação desse livro é datada no ano de 1992. Nele, Hall explora algumas questões como a constituição do sujeito em três perspectivas (sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós moderno) e essas questões identitárias numa modernidade tardia. Hall também aponta para uma possível crise de identidade cultural, no que ela consiste, quais os fatores que contribuíram para a sua existência e no que ela afeta e descentraliza o sujeito nas questões culturais, sociais e subjetivas.

A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada e A Ditadura Derrotada – Elio Gaspari:

Após ficar por exatos 18 anos pesquisando e escrevendo, eis que, em 2003, finalmente saiu a trilogia da Ditadura de Elio Gaspari. Escrito de maneira jornalística, os três livros são bem minuciosos e entram a fundo nos detalhes e histórias da época ditatorial brasileira. Através de depoimentos, entrevistas com inúmeros personagens e fatos impressos em jornais da época, Gaspari reuniu um acervo riquíssimo que explica desde os antecedentes da tomada do poder, em 1964, até a saída de Geisel e a decadência da ditadura com Figueiredo. Vale a super a pena ler esse três livros, a fim de compreender um importantíssimo momento na nossa história brasileira.

Comunicação e Contra Hegemonia – Eduardo Coutinho (organização):

O livro nada mais é do que um compilado de artigos de diversos teóricos da comunicação sobre os processos culturais e comunicacionais de contestação, acirramento e resistência. Do ano de 2008, a obra tem como referência a problemática da relação comunicação x hegemonia x contra hegemonia. Comunicação e Contra Hegemonia é um livro fundamental para que a gente compreenda certos processos da mídia hegemônica, como eles se dão e porque atuam de maneira tão forte na compreensão e no julgamento da população no geral. Comunicação e Contra Hegemonia também é um livro fundamental para que a gente compreenda como essa contra hegemonia sobrevive e funciona e como ela pode atuar em pró da derrubada de ideologias e do simbolismo social.

O Governo De Si e Dos Outros – Michel Foucault:

governo de si

Ainda estou em processo de leitura desse livro. Contudo, até o capítulo em que me encontro, ele já se mostra de fundamental importância para que todos possam ter acesso. O Governo de Si e Dos Outros é do ano de 2010 e abriga um compilado de aulas que Foucault deu em 1983 no Collége de France. Ele aborda alguns temas nunca publicados na vida do autor e levanta alguns questionamentos como qual o governo de si deve servir de fundamento, bem como de limite, ao governo dos outros? O autor transita pela questão da ética como política, bem como da herança filosófica e o status da fala.



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