Conquista: Artistas e produtores locais não comparecem à solenidade do Dia Municipal de Cultura

Por Mariana Kaoos

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Foto: Rodrigo Ferraz

Grito de alerta: Uma das coisas mais bacanas que tenho aprendido na militância do feminismo popular é que acreditar numa coisa e se apropriar dela, toma-la para si e em todos os lugares de sua vida, requer cuidado e comprometimento. Responsabilidade sabe como é que é? Não adianta fazer apenas análise de conjuntura, questionamentos ou até mesmo apontar as possíveis soluções. Quando nos apropriamos de determinada questão se faz urgente ocuparmos as instâncias e os espaços de fala e de disputa.

Digo isso não só em relação ao feminismo, mas a absolutamente todas as coisas acionadas na nossa existência, no nosso cotidiano que se incorporam como elementos no que viemos a chamar de identidade. A cultura, por exemplo, é uma delas. Digo, a cultura, na minha vida, é uma bandeira de produção, consumo e luta. E olha que posso afirmar com certa precisão que não só na minha. Trabalhar com jornalismo cultural me permite transitar aqui e ali, conversar, dialogar, debater, trocar conhecimento, aprender, praticar e ouvir inúmeros discursos apaixonados de produtores e artistas culturais locais.

Foto: Ascom - Câmara de Vereadores
Foto: Ascom – Câmara de Vereadores

Grande parte desses mesmos produtores e artistas tem movimentado a cidade de Vitória da Conquista. Nós, consumidores, não podemos nos queixar da qualidade de produtos culturais que temos consumido nos últimos tempos. Espetáculos conceituadíssimos no Teatro Municipal Carlos Jehovah, festas com um forte apelo popular voltada para o público lgbt, comunicação (textual, visual e cinematográfica) bem pensada, ocupação de lugares com uma proposta estética muito bacana como o Café Society e o Canto do Sabiá, festivais na Concha Acústica do Centro de Cultura, enfim, uma profusão de opções para todos os gostos e para todos os bolsos tem se descortinado nas noites conquistenses.

Se por um lado isso é ótimo, delícia cremosa, divino, maravilhoso, por outro, ainda há muitas lacunas que não são (e precisam ser) preenchidas. Eu escuto tanto esses artistas e produtores reclamarem da falta de espaço, do não incentivo, do baixo cachê, do zero (ou quase isso) investimento do poder privado, da centralização do poder público em três mega eventos anuais e da inexistência de editais de contemplem o artista e as produções locais durante o ano. E sabe, eu concordo com tudo isso. É tão complicado, por vezes até doloroso, entrar nessa empreitada cultural aqui porque a bem da verdade é que sempre é um grande risco. Pode dar muito certo e pode dar muito errado.

Na verdade, o ponto em que eu quero chegar é o seguinte:

– Os artistas e produtores tem feito muito coisa bacana na área da cultura. Isso é evidente.

– Os artistas e produtores tem se preocupado com uma questão estética e de qualidade na construção da cultura local. Isso é perceptível.

– Os artistas e produtores têm reclamado por todas essas demandas que citei logo acima. Isso é necessário.

– Logo, por que os artistas e produtores que alegam um enorme compromisso com a cultura de Vitória da Conquista não tem ocupado os lugares de disputa?

Argumentar que esses espaços não existem é uma grande mentira. No ano passado tivemos uma audiência pública na Câmara dos Vereadores, sobre a questão do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, com um representante da área de cultura do Governo Estadual, e dava para contar nos dedos os artistas e produtores locais que estiveram presentes. Hoje, 16 de março de 2016, tivemos uma solenidade também na Câmara de Vereadores, às 8:30h, em comemoração ao Dia Municipal da Cultura, ocorrido na segunda-feira, 14. Mas não só. O espaço dessa manhã foi de extrema importância porque nele foi entregue o projeto da Secretaria Municipal de Cultural que prevê a criação do Sistema Municipal de Cultura.

Isso era para ser uma pauta que fosse de interesse de todos os artistas e produtores locais, ou estou errada? Acredito que sim, que estou errada. Estou erradíssima porque poucos apareceram. Dá até para listar (apenas artistas e produtores listados): Pedro Ivo, vocalista da banda Handevu, Larissa Caldeira, cantora, Amanda Nascto, produtora, Rodrigo Pinheiro, vocalista da banda Dona Iracema, Lucas Sampaio, vocalista da banda Dost, George Neri, cineasta, Rodrigo Freire, dj e estudante de cinema e audiovisual, Kétia Prado, atriz, Igor Barros e Vanessa Oliveira, integrantes da banda Crua, Gilmar Dantas, produtor do Coletivo Suiça Bahiana, Alberto Marlon, jornalista, Coletivo Umbutú e Ceará e José de Souza, repentistas.

Quinze. Acredito que temos mais de duzentos artistas e produtores na nossa cidade e apenas quinze foram à solenidade do Dia Municipal da Cultura e conferir de perto que projeto de Sistema Municipal de Cultura é esse. E em tempo, eu lhe digo: o Sistema Municipal de Cultura é um projeto pensado desde 2007 e desenvolvido há poucos menos de dois anos pela Secretaria Municipal de Cultura. Ele é algo interessantíssimo porque vislumbra a reativação do Conselho Municipal de Cultura (com seis cadeiras para a sociedade civil e quatro para representantes do poder público) além da criação de um fundo (entenda $$) destinado à produção cultural do município. Vias como a criação de editais que contemplem as inúmeras vertentes artísticas na cidade também já estão sendo programadas.

É a solução para todos os nossos problemas? Óbvio que não. Contudo, é um bom começo e pode se tornar um grande passo. E o que eu estou querendo é que os artistas e produtores entrem no mundo da política? De forma alguma, essa é uma decisão extremamente particular que não pode ser exigida por ninguém. O que eu estou apontando nessa matéria é a contradição da nossa super mega ultra desunida classe cultural entre discurso e prática e a inexistência dela em espaços que são, prioritariamente, escancaradamente fundamentais de ocupação. Garanto a vocês que se sentir parte pertencente e ter o mínimo de respaldo para falar, compensa acordar cedo ou passar algum tempo sentada, olhando para o rosto dos nossos políticos conquistenses.

Assim que o projeto for aprovado pela Câmara, ele já passa a entrar em vigor. A primeira ação será de mobilização para a reativação do Conselho Municipal de Cultura, onde haverá votação para os representantes setoriais. Isso é de intenso interesse dos artistas e produtores porque esses representantes serão as pessoas com quem haverá o dialogo. Sendo assim, vamos falar menos, praticar mais e construir a cultura local juntos, com precisão e discernimento? Espero que comodidade, preguiça e incoerência sejam conceitos, a partir de agora, banidos por todos nós.



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