Opinião: As famílias, a política, as manifestações e as crianças

Por Mariana Kaoos

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Se tem uma coisa que o avanço da tecnologia nos propiciou nesses últimos tempos foi a possibilidade (e, acima de tudo, facilidade) de nos comunicarmos com quem queremos. Inúmeras pessoas, pelas quais nutrimos laços afetivos, residentes de outras cidades passam a fazer parte e a integrar, ainda que de maneira virtual, o nosso cotidiano. Trocamos piadas, revelamos segredos, nos desentendemos, compartilhamos momentos diários e até mesmo imagens e instantes registrados em vídeos. É impressionante como essas novas relações possuem a capacidade de mexer, deslocar, alterar nuances do nosso dia a dia.

Cabe aqui uma pergunta reveladora: Atualmente, você se comunica mais através da internet ou com o real palpável? Com quantas pessoas você conversa, diariamente, no whatsaap? Quantos grupos você está inserido? E, nesses grupos, qual a intensidade da sua participação? Ora, em relação aos grupos, alguns são figurinhas marcadas na vida de todo mundo: galera do trabalho/faculdade, amigos mais próximos, resenha secreta, grupo político e família. Ah, esse último em especial, é uma loucura que só. Tias, primos, avós, irmãos, agregados e tudo o mais que se possa imaginar estão presentes no grupo da família.

É um querendo saber o que o outro almoçou e este, por sua vez, mandando aqueles memes de bom dia. Tem também as correntes de oração, a mais nova conquista profissional da prima que formou, ou do primo que entrou na escola militar. Não podemos nos esquecer da atualização diária de quem está solteira, de paquera ou vai casar. Datas importantes como aniversários ou feriados também são lembradas. É futebol, romance, novelas das oito, política, saudades e besteiras. Certamente que desde a hora que você acorda, até a hora que você vai dormir, o grupo da família é o que mais te alegra, bem como atenta o seu juízo.

Nesse domingo, 13 de março, o grupo da minha família no whatsaaap me causou certo incomodo, bem como me trouxe alguns questionamentos. A história foi mais ou menos assim: Somos, em grande maioria, todos da Bahia. Por aqui, espalhados pelo estado, diversos parentes compareceram aos protestos por compactuarem uma ideologia política contra o PT e mais outros pontos que foram elencados no ato político desse domingo. Até aí tudo bem. Minhas tias, primos e primas vestiram a camisa do Brasil e foram ocupar as ruas e disputar pelo projeto político que acreditam. Importante ressaltar que, se assim o fizeram, foi por vivermos num sistema democrático (isso seria impossível de acontecer caso houvesse uma intervenção militar, como muitos tem clamado). Apesar de discordar politicamente do posicionamento deles, eu acho válido e precisa essas manifestações de indignação acerca de alguns temas relacionados ao nosso país. É através desse embate ideológico que exercemos a dialética e enxergamos a necessidade de lutar pelo modelo social que acreditamos como o adequado para o povo brasileiro.

Então, assim sendo, visualizei calada as fotos, os vídeos, bem como li os discursos ufanistas no grupo da família. Se nos amamos, acredito que o mínimo que pode haver entre nós é o respeito. Contudo, em determinado momento, uma tia que muito admiro e quero bem alegou a importância das crianças estarem lá na manifestação. Não, não eram jovens, nem adolescentes, eram crianças. Crianças de oito a onze anos de idade. Naquele instante a primeira coisa que questionei para mim mesma foi o porquê das crianças estarem lá.

Veja bem, eu tenho 26 anos de idade, já passei por uma graduação, convivo com pessoas atuantes em movimentos sociais e milito pelo feminismo. Independente disso tudo, eu ainda sou (e acredito que por muito tempo serei) imatura para compreender certas conjunturas políticas e desconstruir as verdades que me são impostas. Diariamente eu preciso fazer um processo de filtragem racional do que os veículos de comunicação me noticiam, bem como do que a sociedade que me circunda discursa em alto e bom som. Não é uma questão de subestimar, porém se eu, com um pouquinho de acumulo teórico e politico que possuo, me pego por vezes perdida, sendo levada, como uma criança se sente no meio disso tudo?

Acredito que a partir desse pequeno episódio, podemos questionar algumas questões para além dele: Qual o arcabouço político que uma criança de dez anos possui? Como uma criança compreenderá plenamente o nosso atual momento político se ela ainda não tem total noção da nossa constituição enquanto brasileiros e da nossa história política ao longo desses mais de 500 anos? Em que aparato racional e ideológico uma criança irá se apegar para entender que divergências políticas são saudáveis, mas que incitar o ódio por conta dessas mesmas divergências é algo arbitrário? Como nós esperamos que as nossas crianças, quando crescerem, tenham opiniões e posicionamentos próprios se, desde pequenas, nós as condicionamos através das nossas crenças e ideologias?

Alegar que a criançada precisa ver o que está acontecendo no Brasil? Tudo bem, mas se o argumento for esse, se faz urgente e necessário leva-las para o ato do próximo fim de semana, em pró da democracia, de Lula e contra o golpe. Porque tudo tem vários lados, não é mesmo? E se a intenção é educar e alertar a nossa população infantil, que ela seja educada de maneira plural, observando todos os lados para que, a partir dai, ela possa tirar suas próprias conclusões.

Ou não. Na verdade, eu discordo plenamente da participação de crianças em qualquer tipo de manifestação política. Na maior parte das vezes, elas são utilizadas como bucha de canhão para emprestar uma áurea de pureza e inocência a correntes político partidárias que de puras e inocentes não tem absolutamente nada. Nós não oferecemos nenhuma educação política a elas, tampouco lhes damos o poder de escolha. Pelo contrário, pintamos o rosto de nossas crianças de verde e amarelo (ou de vermelho) e as condicionamos a seguirem e esbravejarem por crenças que elas sequer compreendem ao certo.

A minha maior preocupação é que essas crianças, estando em famílias de direita ou esquerda, cresçam alimentando o preconceito, o ódio e a violência em direção a qualquer outro que venha a compactuar de identidades e crenças diferentes das suas. Se nós almejamos por uma sociedade consciente, racional, respeitosa e fraterna, é necessário que pratiquemos esses valores e que possamos passa-los às nossas crianças que, como dizem alguns, é o futuro do país. Acredito que nesse difícil e doloroso momento político no qual estamos imersos, preservar as crianças é um ato de coragem, amor e, acima de tudo, respeito por elas mesmas.



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