Burburinhos culturais: Sistema Municipal de Cultura de Conquista, Canto do Sabiá e produção cultural

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Por Mariana Kaoos

A mulher, o boteco e o sabiá:

Uma das noites mais bacanas dessa semana foi a de terça feira, oito de março. Rolaram diversas programações, para todos os gostos e tamanhos, por conta do Dia Internacional da Mulher.  Algumas companheiras da Marcha Mundial das Mulheres foram conferir de perto as palestras propostas pela OAB. Outras não resistiram e ocuparam o Sindicato dos Bancários. Eu, por minha vez, não poderia ter ido a outro lugar que não ao Canto do Sabiá, aonde Lídia Rodrigues conduziu um bate papo sobre a questão da mulher no boteco.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Bom, o que posso dizer sobre isso é que foi leve e gostoso. Lídia iniciou sua fala dando um panorama histórico sobre a questão da mulher até chegar aos dias atuais. A discussão foi aberta e contou com uma vasta e intensa participação do público que acabou apresentando outros pontos de vista mais amplos e práticos acerca do feminismo e inserção social da mulher na contemporaneidade. O espaço também contou com a participação da professora Graziela Novato, que conduziu o papo para algumas questões como identidade, diferença e representatividade.

Foi tudo muito tranquilo e agregador, como de esperado. Contudo, o que realmente surpreendeu e alegrou e inundou a noite de saberes e troca de conhecimentos, foram alguns encontros. Um deles, por exemplo, foi com Gisberta, servidora pública, mulher trans, intensa, voraz e poética. Gisberta, na sua condição tresloucada, como costuma dizer, levantou um questionamento muito interessante sobre o que é ser mulher. Uma condição biológica? Ou uma construção cultural e política? Ser mulher é um condicionamento social? E como encaixar as mais diversificadas formas de ser mulher dentro de um único de imutável conceito?

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Outra pessoa maravilinda que pintou por lá foi Elaine ou Pretinha, como gosta de ser conhecida. Elaine eu já tinha visto vez ou outra, porém nunca paramos para nos conhecer e conversar. Quando isso rolou, na terça a noite, que conversa mais rica que tivemos, viu?! Ela me apresentou uma corrente teórica, até então por mim desconhecida, intitulada Pan Africanismo. Bom, não sei se compreendi direito (me corrija de estiver errada, Pretinha), mas o pan africanismo é uma doutrina política que tem como cerne a reconstituição de uma identidade racial e libertação do povo negro. Elaine é estudante de psicologia, é negra, mulher forte e precisa no que concerne às suas ideologias. Conversar com ela foi a mesma coisa que ter um novo universo se descortinando diante de mim.

E é exatamente isso o grande encanto, a grande magia das noites conquistenses (principalmente das que frequentamos o Canto do Sabiá): a possibilidade de encontros que te proporcionam novos aprendizados, vivências e conhecimentos. É a partir daí, desses encontros, que surge a necessidade de uma continua desconstrução de si mesmo e a consciência da importância da disputa social. Portanto, queridas e queridos, fiquem espertos, andem daqui para ali, de lá para cá, conheçam, ouçam, falem, vivenciem. Vitória da Conquista é uma terra fértil em pessoas interessantes e trocas valiosas e certamente que agora, mais do que nunca, é tempo de se mexer. Está terminantemente proibido se acomodar e ficar parado, com cara de Pedro Bó, esperando a vida passar.

Cultura, produção e incentivo:

Olha, vou logo direto ao ponto: Essa semana li uma matéria muito bacana no site da revista Carta Capital. Assinada pelos jornalistas Miguel Martins e Rodrigo Martins, a matéria, intitulada Na Cultura, Os Fracos Não Tem Vez, fala exatamente dos percalços que é conseguir investimentos (públicos e privados) na produção cultural do país.

Os meninos fazem uma abordagem bem simples e compreensível sobre a questão da Lei Rouanet (citam o famigerado caso da biografia de Claudia Leite) e de como, além de ser insuficiente, ela privilegia determinados eventos. Alguns exemplos são o Rock In Rio, o Wicked e o Disney on Ice em detrimento de outras produções como o Abril Pro Rock, festival anual ocorrido há 24 anos em Pernambuco.

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Mais uma coisa alarmante explícita na reportagem, é a redução de investimentos de empresas privadas na produção cultural. Nesse ano de 2016, a Petrobras cortou em 20% a verba destinada a esse setor. Isso atinge diretamente a possibilidade de circulação da cultura no país. Outros pontos interessantes são abordados, como o Pro Cultura, e oferecem um panorama bacana acerca dos investimentos na cultura no Brasil.

Bom, estou falando disso porque acredito que se faz necessário, cada vez mais, pensar, questionar, propor soluções, tanto do poder público como do privado, e cobra-las. Existe uma gama de produções de pequeno e médio porte riquíssimas sendo construídas nos quatro cantos do país. Existe também uma profusão de artistas de altíssima qualidade, escritores, cantores, diretores, roteiristas, fotógrafos, atores, que não podem exercer sua profissão por completo porque ela não dá um retorno suficiente que arque com a subsistência de cada um. Aí, geralmente, esses artistas se desmembram em um milhão de atividades para sobreviver e, infelizmente, colocam a arte e a cultura em segundo plano.

Quem foge, quem não tem pretensão a se inserir num circuito comercial, fica relegado, é jogado de canto e dificilmente consegue alguma verba para investir na sua produção cultural. Por outro lado, quem abre os braços e cai de cabeça nesse mesmo circuito comercial, obtém os holofotes midiáticos, o reconhecimento e o investimento necessário para a construção da cultura. Resta-nos saber que tipo de cultura massificada é essa, a quem ela atende e sobre o que ela discursa.

Sem mais delongas, segue aqui o link da matéria. Para os produtores, artistas e amantes da cultura, vale um clique e uma leitura atenta. Acredito que podemos trocar divagações sobre o tema e, até mesmo, quem sabe, pensar em soluções estratégicas para tal. O que vocês me dizem?

http://www.cartacapital.com.br/revista/890/os-fracos-nao-tem-vez

Atenção para o refrão: É preciso estar atento e forte:

Vocês sabem o que é comemorado na próxima segunda-feira, dia 14 de março, aqui em Vitória da Conquista? Como assim não sabem? Não fazem nem ideia? Então vem cá que Kaoosinha conta para vocês: Dia 14 de março é o aniversário do nosso queridete Glauber Rocha, mas não só. Dia 14 também é tido como o Dia Municipal da Cultura. Sim, creiam nisso. Se por um lado foi uma ideia muito feliz criar-se essa data, por outro, ela chega a ser irônica, já que não temos lá muito apoio, tampouco investimento na produção da nossa cultura local.

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Enfim, voltando ao que interessa, ao que tudo indica, nesse próximo dia 14, além de comemorarmos o Dia Municipal da Cultura estaremos comemorando o mais novo avanço nessa nossa área social: a Prefeitura entregará à Câmara de Vereadores o projeto de lei que institui o Sistema Municipal de Cultura. O projeto prevê a reorganização do Conselho Municipal de Cultura. A novidade é que dessa vez, ele, o Conselho, passaria a ter representações de inúmeros setores da sociedade civil. Outro ponto estabelecido pelo projeto é a criação do plano e do fundo municipais de cultura.

Bom, a principio, a noticia é das melhores. Mas há de se ponderar e questionar algumas coisas: A sociedade civil contribuiu de alguma maneira para a criação desse projeto acerca do Sistema Municipal de Cultura? Ela terá acesso ao documento? Por algumas vezes, o Conselho Municipal de Cultura foi reativado. Em todas elas, houve falhas, até o ponto da desarticulação do conselho. Qual será a metodologia usada dessa vez para que o Conselho permaneça vivo e, de fato, possa ser atuante? Já tem alguns anos que o investimento na produção local vem sendo questionado e também já tem alguns anos que a classe artística da cidade está insatisfeita com a promoção da cultura local. Criar e apresentar esse projeto no ano eleitoral foi uma grande estratégia ou mera coincidência? E, após as eleições, com a continuidade do PT ou a vinda de outro partido, quem garante que o Sistema Municipal de Cultura permanecerá intacto?

Dando continuidade a todos esses questionamentos, nós queremos saber mais algumas coisas: Há mais de um ano, através da Secretaria de Educação, adquiriu-se com recursos públicos, no valor de um milhão e meio de reais, o espaço do Madrigal. Nada foi feito até agora. Por quê? A Prefeitura Municipal já tem planos para o inicio da ocupação do espaço? E por falar no Madrigal, a quantos anda a criação do Polo Cinematográfico cujo projeto foi elaborado por Orlando Sena em parceria com os professores do curso de cinema da Uesb? Voltando ao velho tema dos editais, quantos serão lançados ainda este ano para contemplar as áreas de literatura, teatro, dança, audiovisual e música?

Em meio a questionamentos mil, fica o desejo de que tudo possa dar certo, que a Câmara aprove o projeto e que ele possa entrar em vigor e, de fato, ser atuante. Vitória da Conquista é um polo fortíssimo de produção cultural, nós só precisamos das condições necessárias para dar visibilidade e força aos produtos locais. Espero que, de agora em diante, eu possa falar muito das conquistas e dos avanços que iremos ter graças ao Sistema Municipal de Cultura. Avancemos!



Cultura, Destaques, Vitória da Conquista

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