Pipoca Moderna: O oito de março e a OAB de Vitória da Conquista

´

Por Mariana Kaoos

Oab

Quando você acredita em determinada ideologia, quando você acredita em determinada ideologia que norteia a sua percepção de mundo e existência, há a necessidade da difusão e disputa das mais distintas esferas sociais por conta dela? Ou isso não é uma necessidade recorrente?

Digo, eu sou jornalista, mas também sou de esquerda, feminista e milito pela cultura popular e mais algumas pautas da comunicação. Logo, em mim, é quase que uma obrigação fazer a disputa dialética e prática dos espaços, dos meios e de um projeto político que contemple os meus ideais. Por conta dessa consciência acerca de mim mesma, eu não posso, não devo e não quero nunca ficar em cima do muro. Não sou uma jornalista imparcial (e na verdade não acredito que existam jornalistas assim). Eu tomo partido, dou minha cara à tapa e utilizo o meu discurso como principal ferramenta de poder, como principal ferramenta de luta em pró do que eu acredito.

51dd111c-0505-4477-b202-3f9323839335

E não só eu. Diversas e maravilhosas mulheres que tenho conhecido nesses últimos tempos se posicionam da mesma maneira dentro de suas vidas amorosas, politicas e profissionais. Estou falando disso porque o bafafá dessa semana aqui em Vitória da Conquista se deu por conta da programação proposta pela OAB para o oito de março, dia internacional da mulher.

A programação inicial seria basicamente a seguinte: uma espécie de salão de beleza, com escovista, desing de sobrancelha e o que mais você imaginar e outro momento, em que haveria palestras. Acontece que o espaço de palestra seria presidido por dois homens, o nutricionista Eneias Braga e o personal treiner, João Neto. Algumas mulheres (advogadas e não advogadas) se posicionaram contra a programação nas redes sociais alegando que seria reduzir ao extremo o oito de março diante da imensidão do que significa a data e a luta feminina.

babd3483-d56b-4872-b638-bda75e832da1

Quando isso aconteceu, mais algumas outras mulheres (advogadas e não advogadas) se posicionaram a favor a programação. Até aí tudo bem. Contudo, em determinados momentos, houve reprodução do machismo e agressão pessoal direcionada às pessoas que questionaram e se opuseram ao que a OAB tinha proposto. Bom, o resultado é que parte da programação foi alterada: A promotora de justiça, Solange Anatório, fará uma palestra sobre “a mulher nas carreiras jurídicas” e a professora, Graziele Novato, falará do “percurso da mulher na história”.

Paralelo a isso, alguns movimentos sociais, como o núcleo Maria Rogaciana, da Marcha Mundial das Mulheres de Vitória da Conquista, se manifestaram através de uma nota. Segue ela na íntegra:

Dia 8 de Março: Dia de Luta das Mulheres!

É preciso resgatar constantemente as origens do dia 8 de março e sua importância histórica como Dia Internacional de Luta das Mulheres. Essa data tem como marco as lutas por melhores condições de trabalho e a conquista da igualdade entre homens e mulheres. Infelizmente, ainda é recorrente que as comemorações dessa data sejam reduzidas a entrega de flores e prestação de serviços de beleza variados.

Precisamos repudiar veemente a reprodução de ações que esvaziam o significado do 8 de março e reproduzem uma ideologia que nega o histórico de luta da data, reforçando um sistema patriarcal, que a todo momento busca anular as mulheres enquanto sujeitos políticos. Este é o momento de dar visibilidade às bandeiras históricas de luta das mulheres, resgatar as conquistas de direitos e afirmar que precisamos avançar ainda mais!

Não podemos esquecer que nos últimos períodos, a classe trabalhadora, e em especial as mulheres, foram e ainda são as principais alvos das ondas conservadoras que têm se manifestado no país. Além de ser necessário frisar que os impactos da crise econômica são ainda mais perversos sobre a vida das mulheres. É preciso aprofundar e ampliar as discussões sobre a mulher na sociedade brasileira, buscando confrontar as bases da opressão racista, capitalista e patriarcal, que impõem o controle dos corpos e das vidas das mulheres, anula o potencial político e transformador dos indivíduos, e violenta e mata as mulheres todos os dias!

Precisamos construir novas bases sociais para a vivência da igualdade e solidariedade entre as mulheres, entre homens e mulheres. Para isso, é preciso um enfrentamento constante à violência contra a mulher, em especial contra as mulheres negras (o Mapa da Violência de 2015 o feminicídio de negras aumentou 54% nos últimos dez anos). Precisamos combater o assedio sexual que é recorrente no ambiente de trabalho, à mercantilização e controle do corpo e da vida da mulher, e os ataques aos direitos sexuais e reprodutivos. Além de denunciar a dupla/tripla jornada de trabalho que decorre do acúmulo das funções domésticas e trabalhos de cuidados que são atribuídas exclusivamente às mulheres, que quando não exercem tais atividades pessoalmente, a exercem através da precarização do trabalho de outra mulher.

É preciso avançar na radicalização da democracia! E isso se dá necessariamente pela disputa do poder, em qualquer instituição, e da ocupação do espaço público. Um exemplo claro dessa necessidade, é a atual composição do Congresso Nacional que possui apenas 10% de mulheres. E se olharmos para a realidade mais próxima, perceberemos que o município de Vitória da Conquista possui apenas duas mulheres na composição da Câmara de Vereadores. Por isso reinvindicamos a necessidade de “Mais mulheres na política para que tenhamos mais políticas para as mulheres!”

Diante das colocações acima, nós repudiamos a proposta anterior do evento comemorativo do dia 8 de março “Homenagem à Mulher Advogada” apresentada pela Comissão de Mulheres Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB seccional de Vitória da Conquista – BA por apresentar inicialmente apenas uma atividade baseada unicamente no oferecimento de serviços de beleza e palestras sobre estética com personal trainer e nutricionista esportivo.

A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB institui em 2015 o Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada afirmando o compromisso com os direitos humanos da mulher e apontando como diretrizes a igualdade de gênero, participação nos espaços de poder, combate à violência doméstica e ao feminicídio, entre tantas outras constantes no art. 2º, inciso VI. E institui também 2016 como o “Ano da Mulher Advogada” para a implementação desse Plano. Nessa conjuntura, solicitamos a Comissão da Mulher Advogada e toda Seccional da OAB de Vitória da Conquista para tomar um posicionamento condizente com a realidade social e profissional da mulher advogada e implementar as diretrizes expostas no citado Plano, bem como em defesa dos direitos humanos das mulheres brasileiras para que não percamos nenhum momento na luta pela afirmação das mulheres enquanto sujeitos políticos.

Por fim, expressamos toda solidariedade às companheiras advogadas que primeiro repudiaram a proposta do evento e em decorrência disso sofreram diversas ofensas por parte de outras colegas de profissão. Estamos unidas no combate ao machismo! Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!



Artigos, Destaques, Vitória da Conquista

Comentário(s)