Especial Conquista: Ítalo Silva e a formação de público em Vitória da Conquista

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Por Mariana Kaoos

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Decididamente o Teatro Municipal Carlos Jehovah já não comporta mais shows de Ítalo Silva. O lado positivo dessa afirmação é que ela se dá porque Ítalo, de 2015 para cá, trabalhou com afinco na formação de público e obteve grande êxito.  Atualmente suas apresentações são as que mais movimentam a cidade, fazendo com que às pessoas se desloquem e ocupem o teatro ou qualquer outro espaço em que ele vá cantar.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Também pudera, Ítalo, juntamente com sua equipe de produção, não realiza apenas shows, e sim grandes e profundos espetáculos. Digo isso porque tudo é muito bem pensado e trabalhado. A começar pelo tema. Como um intenso interprete que é, Ítalo sempre procura um dialogo entre o seu trabalho com o de outros artistas, geralmente grandes influencias musicais incorporadas na sua trajetória de vida. Outro ponto é a questão da identidade visual, mais voltada para as redes sociais, que sempre contam com uma comunicação ilustrativa e textual criativa e inovadora.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Na sequência vem a escolha dos músicos. Estes, por sua vez, contribuem com novos arranjos e formatos para as músicas engendradas no repertório. Ah, não posso me esquecer do figurino: Ítalo e sua equipe estudam e criam figurinos (englobando cabelo e maquiagem) de acordo com cada temática. Por fim, há a presença em palco, sempre voraz e precisa. Se anteriormente, a fala no intervalo de canções era cansativa, agora ela se mostra mais madura e eficaz, desvencilhando imagens, lembranças, memórias de sua constituição existencial que desaguam e justificam o seu momento de agora.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Justamente por todos esses elementos que dignificam e dão qualidade ao seu trabalho, Ítalo conquistou um público fiel que não só o acompanha, como cobra e espera por novidades a cada instante. Acredito que antes dele, os únicos a alcançarem tal êxito foram os meninos do Caim, que também arrastam multidões por onde passam. Tanto em relação ao Caim como em relação a Ítalo, isso é de uma grandiosidade sem fim porque dá margem para duas possíveis interpretações:

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

. A população de Vitória da Conquista gosta e quer consumir cultura local de qualidade que fala e representa o que é nosso.

. As pessoas reconhecem e estão dispostas a pagar e ocupar espaços populares da nossa cidade.

Bom, como nem tudo são flores, a afirmação que fiz no primeiro parágrafo do texto, também possui um lado ruim. O Teatro Municipal Carlos Jehovah não comporta mais shows de Ítalo Silva, tudo bem. Mas que espaço da cidade irá comportar? Sim, mais uma vez voltamos ao dilema dos espaços da cidade. No Carlos Jehovah acredito que caibam, no máximo, 200 pessoas. Quando a lotação extrapola, as apresentações são diretamente afetadas, o público não se acomoda legal e o calor se faz insuportável. O Janela Cajaíba, ate o fim de 2015, cobrava 900 reais pelo aluguel. Sem contar a distância e o gasto para chegar até lá. O Bar Ice Drink, mesmo ainda estando em reforma, já funciona e realiza shows. Contudo, não há saída de ar, tampouco saída de emergência. A segurança do local ainda é extremamente precária e acaba colocando os frequentadores em risco. O Clube da Caixa e o Assefaz cobram mil reais pelo aluguel do espaço e ambos também são de difícil acesso. O Vila Music custa mais de dois mil reais e a Arena Miraflores então, nem se fala. A Concha Acústica do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima é muito grande para apresentações como essa e o teatro de lá, único local que consigo visualizar como um espaço viável, está em reforma há mais de dois anos.

Diante desse impasse, ficam alguns questionamentos:

. Como exigir mais produções locais se não há espaço adequado para elas?

. Como viabilizar o estímulo e ascensão do artista conquistense se não há investimento em cima dele?

. Por que o poder público e privado ainda não se atentou à importância do investimento na fomentação da cultural local?

. Por que grande parte da população local que consome cultura na cidade ainda não se organizou para cobrar melhorias e avanços no setor cultural?

. Já sabemos que os poucos espaços que temos estão se tornando, cada vez mais, insuficientes para as iniciativas locais. Caso não surja solução para isso, teremos mesmo que diminuir ou cessar as produções culturais?

Na noite de sábado, 27, ítalo apresentou ao público seu mais novo show, focado na obra e performance de Ney Matogrosso. As qualidades foram as mesmas de sempre: Ítalo é intenso, fatal, febril e mais todos os adjetivos possíveis que remetam a voracidade. Ontem ele estava estupendo, com uma espécie de vestido, todo preto, cabelos lisos e amarrados e maquiagem no rosto. Os músicos que o acompanharam (Fabio Sharel, Saulo Silva, Jeh Oliveira, Euri Meira e Ronaldo Costa) também estavam de um requinte que só. A escolha do repertório não conseguiu contemplar todas as fases da obra de Ney, contudo, ele, o repertório, alcançou alguns dos principais momentos da carreira do cantor, além de ter agradado ao público. A participação de Alexandrina Santana em Noite Severina foi de uma lindeza sem tamanho e os jogos, as brincadeiras que Ítalo fez (e sempre faz) com essa questão de liberdade, diversidade e troca de gênero foram fantásticas.

Os defeitos da apresentação também não fugiram muito à regra: quase uma hora de atraso (e aqui se faz urgente ressaltar que PRECISAMOS, artistas e público, criar a cultura do horário dentro das apresentações), muito calor, microfonia e outros defeitos do som em geral. O publico não estava devidamente acomodado, várias pessoas, inclusive, tiveram que sentar-se no chão.

Enfim, o saldo final mais uma vez foi positivo, como sempre é. Assistir a um show de Ítalo Silva é causar em si uma confluência de pequenos prazeres. Ítalo atende às demandas da visão, audição, contemplação e desejo. Porém, os pequenos contratempos, principalmente a superlotação, se tornaram mais incômodos dessa vez. Será que numa próxima, os defeitos irão se sobressair a ponto de atingir a qualidade das apresentações de Ítalo ou algum outro artista? Não sei, isso não posso prever. Entretanto, ficaria muitíssimo feliz em reassistir essa releitura de Ney Matogrosso num espaço mais amplo, que oferecesse a estrutura adequada aos músicos e que permitisse que mais pessoas (e cada vez mais e mais e mais e mais) pudessem estar presentes consumindo cultura local de respeito, atitude e qualidade.



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