Questões musicais: Cultura em eco

Por Mariana Kaoos

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Dias desses eu estava cá, pensando com meus botões, sobre algumas questões relacionadas a determinadas obras musicais e seu eco em nossa existência humana. Não o eco da melodia, da composição, mas sim o eco da qualidade sonora. Digo, existem certos artistas, certos álbuns, certas músicas que nos acompanham a vida toda. Passa dia, passa noite, entra ano, sai ano e eles continuam ali, vivos, sempre na espera do nosso play.

Não estou me referindo aos hits da nossa infância que, quando tocam em alguma festinha, nos fazem se descabelar em nostalgia, riso e dança. Na verdade eu estou evocando um outro tipo de “hit”. Estou evocando aqueles que estão tão presentes, tão engendrados em tudo, que não traduzem apenas um recorte espaço temporal da nossa jornada, e sim ela quase que por inteira.

É claro que novos nomes (maravilhosos) pintam na cena e que, vez ou outra, nos apaixonamos perdidamente e só queremos saber deles. Logo quando conheci a obra de Karina Buhr, por exemplo, fiquei apocopada com a genialidade daquela mulher. Eu passava tardes e mais tardes estourando plástico bolha, pensando em colocar o disco na lei de incentivo a cultura, sendo uma pessoa má e mentindo pra você e assumindo diversas outras personagens e características que suas musicas apregoam.

Aí, eu assistia a todos os vídeos de Karina disponíveis no Youtube, pesquisava sobre ela e ficava planejando como seria se, algum dia, eu a entrevistasse (o que aconteceu posteriormente e foi bacanérrimo). Só sei que a paixão febril durou cerca de três meses. Depois, outros sons foram ocupando a minha playlist e Karina virou amor. Amor brando. Daqueles que a gente contempla e sorri para o universo por saber que existe. A forma de consumir um artista quando ele se torna amor, parece que é menos sufocante. Ela possui mais leveza, clareza e consciência.

Já quando o consumo vem na forma de paixão, não. Com a paixão, é aquela coisa insaciável que você dorme cantando, acorda cantando, toma banho cantando e não quer parar de cantar nunca mais. E já não consegue mais imaginar a sua existência sem aquele som. E atenta o juízo das pessoas que moram contigo, porque realmente, você coloca a mesma música (ou o mesmo álbum) para tocar no volume máximo a tarde, o dia, a semana, o mês inteiro. E você está tão anestesiado pelo encanto da paixão, que o consumo acaba mesmo sendo de maneira alienante: sem a real consciência da coisa em si.

Enfim, pensando nos discos amor e discos paixão, percebi que alguns deles nunca saem de moda. São os famosos clássicos da música brasileira. Ou, no mínimo, são os famosos clássicos da minha história de vida. Na tentativa de provocar uma interação entre autor/leitor, decidi colocar aqui o top 5 de álbuns que sempre estão presentes no meu dia a dia. Apesar de enumerá-los, não há critério de importância: amo a todos de maneira (quase) igual. A ideia é que você, meu leitor preferido, possa colocar o seu top 5 nos comentários e que a gente faça essa troca de referenciais. Pode ser gostoso, o que você acha?

1 – LIVROS – Caetano Veloso (1998):

O meu disco preferido do Caetano se chama Transa, de 1972. No entanto, foi com Livros que eu conheci e comecei a acompanhar a obra de Caê. Eu tinha oito anos de idade e morava no litoral, mais precisamente na cidade de Ilhéus. Um dia, meu pai chegou com alguns discos para me dar. O primeiro era a trilha sonora, comandada por Gilberto Gil, do filme brasileiro intitulado Eu, Tu, Eles. O segundo era justamente Livros. Me lembro como se fosse hoje a sensação de admirável mundo novo se descortinando diante de mim quando ouvi Os Passistas, Onde O Rio É Mais Baiano e Navio Negreiro (Caetano fez um recorte da poesia de Castro Alves e musicou para esse disco. A faixa em questão, conta com a participação de Maria Bethânia).

Desde então, Livros esteve presente em minha existência. Isso já faz 19 anos, diga-se de passagem, de muito amor, aprendizado e consciência. Cada vez que eu escuto qualquer uma de suas canções, é como se um novo olhar pairasse diante de mim.

Bom, como o Youtube não disponibiliza o disco inteiro coloco aqui uma de suas músicas. Contudo, para quem se interessar, outras faixas estão disponíveis no site.

2 – FA-TAL: Gal a Todo Vapor (1971):

Engraçado, não sei se por coincidência ou obra do destino, todos os amantes alucinados pela obra de Gal Costa, assim como eu, tem esse disco como o seu preferido. Visivelmente, é o momento em que Gal está mais voraz. Sua voz, sua aparência, sua performance em palco. Mas, para mim, não só. Acredito ser desnecessário justificar o porquê da preciosidade desse disco. No entanto, já que o espaço é justamente para isso, vou elencar alguns pontos que me fazem ter Gal FA-TAL na minha playlist:

– Quem assumiu a direção do disco foi, ninguém mais ninguém menos, que Wally Salomão, um dos maiores poetas da história desse país. Acredito que tenha sido ele o responsável por direcionar o disco para um lado poético, denso, por vezes trágico e, sem dúvidas, transcendental.

– A escolha do repertório é sensacional. As faixas dialogam entre si. Quando escuto Como Dois e Dois (Caetano Veloso) e Mal Secreto (Wally Salomão e Jards Macalé), por exemplo, sinto como se uma fosse extensão da outra. O mesmo ocorre com ambas e Hotel Das Estrelas (Macalé) e esta, por sua vez, pode ser considerada o oposto complementar de Dê Um Rolê (Luiz Galvão e Moraes Moreira).

– E o que falar dos arranjos e da entrada de voz em cada canção? E o que falar dos erros, dos risos, das reações do público gravadas em disco?! Sim, só posso falar uma única coisa: FA-TAL!

Novamente, o Youtube não disponibiliza o álbum inteiro, e sim alguns trechos condensados. Segue aqui um deles:

3 – GERAES : Milton Nascimento (1976)

Não sei bem como foi, assim, nos mínimos detalhes, mas teve uma vez que Elis (Regina) estava concedendo uma entrevista a um jornalista e, em determinado momento, lhe perguntaram algo sobre Milton. Ela prontamente teceu seus comentários, falou o quanto gostava de cantar suas canções e explicitou a grande amizade que um tinha pelo outro. Na sequencia, Elis afirmou, de maneira sincera e apaixonada, que se Deus tivesse uma voz, certamente que seria igual a dele, pois, para ela, não havia nada de mais belo na vida que a voz de Milton.

É, ta certo, eu exagerei um pouco agora, mas o que vale é a intenção. Assim como Elis, tenho Milton, sua voz, sua figura e sua leveza, como algo ímpar dentro do nosso universo musical brasileiro. Ele é como se fosse um tesouro bem precioso. Aliás, Milton é como se fosse uma árvore bem bonita e profunda, que desse inúmeros frutos que faz bem para a vida.

Esse disco, em especial, é uma das coisas mais lindas que eu já ouvi em  minha existência. Toda vez que eu o escuto, é como se deixasse de compreender e passasse a sentir o real significado da palavra beleza. Destaque para: Promessas do Sol, Viver de Amor e Lua Girou:

4 – VINICIUS DE MORAES: Vinicius de Moraes (1967):

Já ensaiei umas três vezes como começar esse tópico sobre Vinicius e apaguei todas elas. Na verdade, falar dele, para mim, é tarefa árdua, porque a poesia e a música de Vinicius de Moraes me acompanha desde quando eu era pequetitica. Todas as noites, meu pai me ninava com algumas de suas canções, bem como outras de Tom Jobim. Sendo assim, minha intimidade, minha relação com ambos (Vinicius e Tom) existe há exatos 26 anos. É claro que, assim como todas as relações, já brigamos, passamos por arranca rabos e nos confrontamos ideologicamente.

Hoje, eu consigo compreender melhor o contexto, a magnitude e o significado da obra de Vinicius de Moraes. Hoje, também consigo dizer que a amo exatamente da maneira que ela é e que não vislumbro nela, mais do que o que ela pode ser. Vinicius é um dos responsáveis pelo surgimento do maior movimento musical do Brasil (para mim do mundo): a Bossa Nova. Vinicius, junto com Baden, é quem contribuiu para um inicio de debate e popularização de religiões de matrizes africanas, através da sua relação com Mãe Menininha do Gantois e de obras como Os Afrosambas. Vinicius é um dos maiores contribuintes para a criação poética nacional. E poderia dizer inúmeras outras coisas, pelas quais ele é responsável. No entanto, acredito que esse disco (o meu preferido) pode falar melhor do que eu:

5 – BRASILEIRINHO: Maria Bethânia (2004)

Aos meus treze anos de idade, eu possuia apenas um disco de Maria Bethânia aqui em casa. Mas não escutava. Tinha discursões árduas com meu pai e alegava que não gostava dela. Não gostava e pronto. Achava ela horrorosa, insuportável que só falava de amor, enfim, um porre para os meus ouvidos.

Um ano depois, aos catorze, fui passar o verão na nossa casa de praia em Ilhéus, no condomínio Mar e Sol. Nessa fase de pre adolescência, chata como só, eu me recusava a ir à praia, e ficava o dia todo dentro de casa, assistindo televisão. Foi quando vi um dvd com uma capa bonita. Peguei e li o que estava escrito: Brasileirinho – Maria Bethânia. Eu possuía esse ranço com Bethânia, mas naquele dia, não sei por que, resolvi arriscar. Coloquei o dvd para rodar e o assisti por inteiro.

Bom, o resultado disso é que eu fiquei louca, alucinada, ensandecida por ela. Retornei a Vitória da Conquista, escrevi cartas, comprei discos, estudei sua história, enfim, pirei, pirei, pirei. Maria Bethânia se tornou a maior paixão musical da minha existência e Brasileirinho a maior referência.

Porque é nosso, sabe? Diz respeito a nossa constituição folclórica, religiosa, amorosa. Brasileirinho fala desse nosso imaginário popular e dos nossos apegos, das nossas crenças. Para mim, é um disco absoluto, completo, uno. Desde as suas composições até os instrumentos utilizados em cada melodia. Escolhi finalizar com esse porque, dentre todos, é o que mais me esclarece, me encanta e me traduz:



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