Pipoca Moderna: Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim!

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Por Mariana Kaoos

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Há algum tempo venho pensando em uma nova coluna opinativa para veicular nesse site que, dentre todos os sites de Vitória da Conquista, para mim, é o mais democrático e que abrange a maior diversidade de assuntos possíveis. Diferente do Tome Nota, que sai todas as segundas à noite e sempre com um teor cultural, a nova coluna teria como principal propósito dar voz para que outras pessoas, artistas, jornalistas, militantes, enfim, para que o povo em geral pudesse vislumbrar esse espaço como seu. Um espaço que caibam análises críticas acerca dos mais diversos temas sociais presentes na nossa contemporaneidade, no nosso dia a dia.

O Pipoca Moderna de hoje dá margem, incita um debate espinhoso calcado numa prática presente não só em grandes festas, bem como no nosso cotidiano: o abuso sexual. Uma companheira que optou pelo anonimato viveu, no mínimo, uma experiência dolorosa durante o seu período carnavalesco, em Recife. Diante da imensidão de traumas, desconfortos, naturalização do abuso e silenciamento de condutas machistas e patriarcais, a companheira (mulher empoderada, feminista, advogada e bissexual) em questão decidiu verbalizar, colocar para fora, botar a boca no trombone, escancarar, apontar, denunciar a prática abusiva na tentativa de, talvez, provocar questionamentos e contribuir para novas formas de consciência acerca do assunto.

Sinto-me honrada em ceder esse espaço para um relato como esse. É com muito orgulho e respeito que transcrevo seu texto na íntegra:

Com o coração triste e peito esperançoso venho tratar com vocês, mulheres, homens, pessoas das mais distintas esferas sociais, sobre um tema tristemente naturalizado no dia a dia e principalmente nos festejos carnavalescos, onde os desejos da carne e folia tendem a “justificar” todo o machismo, misoginia, sexismo e violência incutidos no ato de assédio.

Falo sobre esse tema não apenas por “obrigação” feminista, mas por ser mulher e por ter sido vítima recorrente desse crime tão invisibilizado por essa sociedade patriarcal no carnaval de Recife/Olinda.

Vocês sabem o que é assédio? Sabem mesmo?

Pelo sim e pelo não, vos informo que para além dos atos de violência sexual são também casos de assédio: beijar a força, contato físico sem permissão (segurar pelo braço, passadas de mão, puxões de cabelo etc.), agressão verbal, gestos, ofensas ou desrespeito, principalmente se antecedidos de um sonoro “não”. Para não restar dúvidas, deixo claro que para caracterizar o assédio não é necessário o contato físico. Lembrem-se, mulheres, estes atos DEVEM ser denunciados.

No carnaval, o famigerado “ninguém é de ninguém” não passa da propagação da cultura machista onde o corpo da mulher é considerado um bem comum (ou bem público) e se encontra subordinado aos desejos dos assediadores de plantão. Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular, 61% dos homens abordados afirmaram que mulher solteira que vai pular o carnaval não pode reclamar de ser cantada. Este mesmo Instituto realizou uma pesquisa em conjunto com o Instituto Avon e obteve o resultado que 79% das jovens abordadas já foram assediadas, receberam cantadas ofensivas, violentas e/ou foram abordadas de forma agressiva em festas ou locais públicos.

Diante esses assombrosos números, relato a vocês os assédios sofridos por mim nesse carnaval de 2016.

Nas subidas e descidas das ladeiras de Olinda, bem como nos festejos noturnos no Recife Antigo, tive meu corpo violado diversas vezes por beliscões, puxões de cabelo, apalpadas, seguradas pelos braços, cintura e blusa, tão agressivas e por vezes insistentes que em alguns momentos minhas amigas tiveram que me socorrer. Entretanto, não minimizando os assédios sofridos já relatados, os que não me saem da cabeça e até este momento desassossegam meus pensamentos foram os assédios sofridos por mim e minha companheira de carnaval enquanto casal, pois além de eivados de violência, machismo e sexismo, esses traziam consigo a lesbofobia.

Nos momentos em que figurei beijos e carinhos com homen,s por nenhum instante fui interrompida com comentários abusivos, gestos obscenos e passadas de mão. Mas bastou figurar um romance com uma mulher para os machistas de plantão se sentirem no direito de participar da relação e protagonizarem contato, gestos e comentários abusivos.

Não sei se por não querer acreditar que estávamos sofrendo assédio em casal ou se por estar flutuando na leveza do romance, não percebi o início da abordagem mais agressiva que sofremos. Quando dei por mim as amigas já estavam discutindo fervorosamente com um grupo de assediadores. Por mais que fosse gritado que eles estavam cometendo assédio e que era crime, os assediadores não se intimidaram e continuaram ininterruptamente com o assédio. Essa situação me deixou paralisada. A tentativa de denúncia foi efeituada por uma das minhas amigas, já que eu permanecia sem reação. Após o susto me dei conta de como nunca estamos preparadas o suficiente para enfrentarmos situações assim, de como elas, as situações, nos abalam emocionalmente numa dimensão que não podemos cogitar. Utilizei a expressão “tentativa de denúncia por assédio,  pois a mesma foi tratada com descaso pelos policiais presentes no momento.

Apesar da escassez de um suporte atuante nesses casos de violência, não podemos deixar de denunciar e fazer valer o limite entre a paquera e o assédio. Não podemos permitir a continuação da naturalização dessa violência. Além da Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, ou delegacia mais próxima, a denúncia também pode ser feita na Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal pelo número 180.

Mesmo para mim, uma atuante na luta feminista, me identificar enquanto vítima naquela situação de violência numa sociedade na qual as mulheres são acusadas de vitimização não foi uma das tarefas mais fáceis. Ao sair do festejo, voltei de cabeça baixa e envergonhada por não ter tido a reação que deveria, por ter ficado atônita. Contudo, depois entendi que eu fui a vítima e não deveria me sentir envergonhada ou militantemente desvalorizada por conta dos atos cometidos pelos machistas inescrupulosos que ainda acreditam que as mulheres existem para satisfazer seus desejos e que um casal homoafetivo serve apenas como objeto de fantasia sexual dos homens, negando, desta forma, as relações sem a presença masculina e intensificando a invisibilidade permanente da mulher lésbica.

O carnaval de 2016 passou, mas assédio é assédio em qualquer época do ano. Assim, que fique claro: “meu corpo é meu, e tem acesso a ele quem eu deixar”. Sofreu assédio, denuncie.

 

Companheira me ajude, eu não posso andar só.

Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.



Artigos, Polícia, Vitória da Conquista

Comentário(s)


2 responses to “Pipoca Moderna: Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim!

  1. Até eu fiquei em choque com esse relato. Infelizmente a mulher não tem valor nesta sociedade dos homens. Isso aconteceu no carnaval ,mas todos os dias vivenciamos essa crueldade. Vamos denunciar sim. Mas acho que a justiça precisa dar mais apoio pra nois mulheres. Parabéns pela matéria.

  2. Precisamos refletir mais sobre esse drama por qual as mulheres passam no día a día e pioram inescrupulosamente no carnaval. A militância pela autoafirmação das mulheres enquanto ser humano igual e com os mesmos direitos que os homens , juntamente com os órgãos públicos precisam intensificar na mí día, propagandas que levem a sociedade a refletir e ao mesmo tempo intimidar esa es machistas de praticarem tais atos .

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