Carnaval Salvador: Aqui tá quente, aqui tá frio

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Por Mariana Kaoos

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Quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo, que eu quero morrer no seu bloco, que eu quero me arder no seu fogo.

Alô alô Bola de Fogo. Olhe, por aqui por Salvador, o calor tá de matar. Os dias ensolarados tem espalhado um azul turquesa lindo por toda a cidade. Já durante a noite, o calor vem da pele. Pele minha e de mais um tanto de gente que se espreme e se pega, pisca, belisca, atiça e se enrosca uns nos outros. É carnaval e a felicidade é carro chefe por aqui. Mas calma aí, você não está sabendo do que tem acontecido? Vem cá, senta aqui, deixa eu lhe contar dos últimos burburinhos:

– Skol no carnaval de Salvador virou quase que artigo de luxo, bem como droga ilegal. Nossos migos vendedores ambulantes são uns maravilindos e tem nos ajudado a sobreviver etilicamente durante esses dias caóticos de Schin. O segredo é chegar na manha, falando baixinho, sem fazer estardalhaço. Encosta bem perto do ouvidinho do migo vendedor e pergunta: “Tem Skol?”. Se ele sorrir, já era. Vai que é tua, mainha. Já deixe seu dinheirinho trocado, pegue a cerveja rapidamente e se saia, para não causar algum contratempo pro migo. Eu mesma tenho feito isso constantemente. Diversas outras pessoas também. Fico aqui me questionando se Netinho também não anda burlando a ditadura da Schin que ele mesmo criou.

Sorria. Meu bloco vem bem, descendo a cidade. Vai haver carnaval de verdade, o samba não se acabou

– Agora me diga, Iaiá, por que que a gente nunca escuta os mais velhos? Na época de meus avós, por exemplo, eles guardavam dinheiro embaixo do colchão. Ou num porquinho de barro. Malandros eram eles que não precisavam passar por aperto de dinheiro. Em relação a isso, aqui está um caos total. Sacar uma grana no circuito Barra/Ondina é tarefa árdua e exigente: é necessário muita disposição e paciência. O Shopping está fechado. A agência da Caixa, do Banco do Brasil e do Bradesco também. Temos o Bom Preço perto do Jardim Brasil com dois caixas vinte e quatro horas que não estão funcionando. Assim como o do posto da Sabino Silva e daquele logo em frente ao Bob’s. O único lugar ainda disponível é o outro Bom Preço, que disponibiliza três caixas eletrônicos. Contudo, para você ter ideia, na tarde de hoje a fila estava descendo a rampa do mercado. Eu contei bem contadinho e haviam mais de cem pessoas esperando a sua vez para limpar a poupança e ir curtir o carnaval. Já estava todo mundo estressado e impaciente. Quem era doido de esperar numa fila dessas? Bom, eu é que não fui. Peguei um mototáxi e fui parar no Hiper da Garibalde onde, finalmente, consegui tirar dinheiro. Para os que estão por aqui, essa é a melhor opção.

Me pegue agora, me dê um beijo gostoso. Pode até me amassar, mas me solte quando o Ilê passar.

– Papai e mamãe, não se assustem e nem fiquem preocupados, mas uma das maiores aventuras desse carnaval tem sido andar de mototáxi. Com a cidade entupida de gente e o transito caótico ao redor dos circuitos carnavalescos, o veículo é a opção mais viável. É rápido e não pesa muito no bolso da gente. Do final de Ondina para o Porto da Barra, por exemplo, gasta-se em torno de quinze minutos e paga-se dez reais. Já do Porto da Barra para o Corredor da Vitória, o tempo médio é de cinco minutos e o valor também fica por dez reais. Para o comércio, dá para negociar e chegar ao preço de quinze reais. Ou seja, super vale, mais que vale a pena. Ao contrário do imaginário coletivo, os moleques são dengosos. Meninos trabalhadores e educados ao extremo. Pelo menos todos que me conduziram de mototáxi foram cuidadosos e não ficaram rodopiando loucamente entre os carros e ônibus. Não sei se é regra ou se mera coincidência, mas grande parte dos motoristas do mototáxi são bem barrigudinhos, o que é uma delícia de se abraçar, já um pouco ébria, no trajeto para casa.

O meu nome é nuvem, ventania, flor de vento. Eu danço com você o que você dançar.

– Torno a repetir, meu amor: ai ai ai. Senhores policiais, sentem aqui que vamos ter uma dr: Para que todo esse abuso de poder e truculência exacerbada com nós que somos foliões? Não seria mais bacana, mais gostoso, se nos respeitássemos ao invés de incitarmos o ódio entre nós? Poxa, spray de pimenta no rosto da galera é violência pesada. Abordar mulheres com certa agressividade e tomar coisas de suas mãos é abuso. Nos empurrar de qualquer maneira para que os senhores passem é egoismo e grosseria. Tá, eu sei que as vezes nós aprontamos, pegamos pesado, nos alteramos e até cometemos umas coisas bem feias na avenida, mas isso justifica mesmo a maneira como somos tratados? É assim que vocês dizem que cuidam da gente? Somos seres humanos, racionais, alguns de nós são até civilizados. Tenho a plena certeza de que se quisermos, podemos melhorar essa relação. Não precisa virar amor. Tendo respeito já é mais que suficiente. O que vocês acham de começarmos a partir de hoje e transformar esses últimos dias de carnaval em algo ainda mais cremoso?

Omulu, Ogum, Oxum, Oxumaré, todo o pessoal, manda descer pra ver, Filhos de Ghandy. Iansã, Iemanjá, chama Xangô, Oxossi tambem, manda descer pra ver, Filhos de Gandhy.

– Sabe quem é delícia crocante nesse Carnaval de Salvador? Luiz Caldas. Na noite de ontem, sábado, ele saiu num trio sem cordas no circuito Barra/Ondina e olha, haja amor. Todo mundo já sabe, mas é sempre bom repetir: O cara é foda. Luiz arrasou na guitarra em alguns clássicos como Bolero de Ravel e até Sultans Of Swing, do Dire Straits. Contudo, foi com o deboche que a galera despirocou até o chão. Coisa linda de se ver e coisa mais linda ainda de se sentir. Geral acompanhou o bloco e, pelo que pude perceber, não houve uma brigazinha sequer. Na verdade houve foi muito sorriso, suor, beijo na boca, comunhão, dança, sintonia. Acredito que seja essa a essência carnavalesca, quando as coisas são intensas, profundas e absolutas. Kaoosinha aqui, por exemplo, estava tão entretida com o bloco que levou um murro no olho e agora se encontra com ele inchado e roxo. Mas não pense que eu estou reclamando não, viu? Na hora eu nem senti e, sendo carnaval, vou andar por aí usando aquele tampão de olho de pirata e saqueando corações alheios. Pense aí num murro que chegou em boa hora?

Eu sou o carnaval em cada esquina do seu coração.

– Ontem, sábado, havia um índio maravilhoso seguindo o trio de Luiz Caldas. Além de bonito e charmoso, o índio dançava e beijava como o quê. Índio, eu quero mais. Já estou com um binoculo na cara, procurando por você, mon amour. Baiana System hoje na Praça Castro Alves? Mudança do Garcia amanhã? Moares Moreira na terça feira? Estou aqui fazendo sinal de fumaça na sua captura. Apareça, vamosexplorar essa nossa língua tupiniquim.

 



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Comentário(s)


One response to “Carnaval Salvador: Aqui tá quente, aqui tá frio

  1. Mariana, excelente olhar, excelente texto.Sou conquistense e estou no carnaval de Salvador.Tivemos olhares semelhantes. Com relação à venda da Skol, vi uma cena curiosíssima: um vendedor/ambulante pulou a mureta do Circuito Barra/ Ondina, procurando os buracos já conhecidos e identificados por seus pés que, certamente, muitas vezes desceram essa rampa nos dias de carnaval.Embaixo, na areia, buscava, como a procura de um tesouro,o local onde havia enterrado as latinhas tão desejadas, colocava-as, então, em um saco, lavava-as no mar e voltava com o seu ouro que, agora, colocadas no isopor eram a preferência do público e de onde poderia ganhar algumas moedas a mais.

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