Uesb: novas diretrizes do curso de jornalismo ainda são um mistério para a maioria dos alunos

Por A.J. Oliveira e Fernanda Costa – Estudantes de Jornalismo da Uesb

“Para os cursos de jornalismo do Brasil como um todo eu acho que vai ser um problema porque, como o estágio seria limitado a no máximo quatro meses, as empresas externas à universidade não teriam interesse”, diz José Duarte, professor do curso de Comunicação Social da Uesb
“Para os cursos de jornalismo do Brasil como um todo eu acho que vai ser um problema porque, como o estágio seria limitado a no máximo quatro meses, as empresas externas à universidade não teriam interesse”, diz José Duarte, professor do curso de Comunicação Social da Uesb

As novas diretrizes do curso de jornalismo, que propõem a dissociação do seu conteúdo da área da Comunicação Social, entram em vigor já no ano que vem, mas ainda há muita dúvida e desinformação sobre o assunto até para aqueles que deviam ser os maiores interessados nele – os alunos. Numa enquete feita com uma amostra de 48 alunos do curso de Comunicação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), apenas cinco pessoas afirmaram saber bastante sobre as novas diretrizes – outros quatro disseram que não sabem nada, enquanto 15 afirmaram que sabem um pouco. Entre os calouros do curso, o resultado é mais sintomático: de 25 estudantes, só uma afirmou ter alguma noção do que são as novas diretrizes.

Mas também tem muita gente que acha que sabe e acaba tirando conclusões erradas. Natália Rocha, do 3º semestre do curso de jornalismo, só passou a enxergar as diretrizes como algo positivo quando parou para ler mais sobre elas. “Depois de estudar mais sobre o tema eu sou a favor”, diz Natália. “Porque a minha dúvida antes era sobre as disciplinas mais humanas, como filosofia, sociologia… Eu achava que isso ia mudar, que elas seriam completamente removidas. Mas as novas diretrizes vêm para aplicar a filosofia ao jornalismo, e não ter uma matéria de filosofia como a gente vê, estudando os filósofos… Agora a gente vai estudar uma coisa mais especializada: como as teorias da filosofia e da sociologia se aplicam ao estudo do jornalismo que a gente está fazendo”.

A possibilidade de o caráter social ou humanista do curso ser esquecido é um dos maiores temores em relação às novas diretrizes. Mas ao participar de um evento sobre isso em São Paulo no início do ano, Natália Silva, do 7º semestre do curso, concluiu que a preocupação realmente não tem muito fundamento. “Na verdade, quando foram pensadas as novas diretrizes, houve essa preocupação também”, explica ela. “Mesmo porque hoje, no Brasil, a gente não tem um estudo teórico sobre o jornalismo em si. Temos da comunicação como um todo, mas não se tem muita produção a respeito do jornalismo. Então as novas diretrizes vêm justamente para isso, para fazer com que as universidades pensem em como é feita a produção jornalística. Acredito que nos primeiros anos vai ocorrer de termos um estudo mais técnico, porque como não temos material suficiente para tratar do jornalismo, vai haver uma deficiência nesse sentido. Mas a tendência a partir dessa mudança é melhorar, é haver um estudo mais humano do jornalismo e não só da comunicação”.

O temor de que o jornalismo possa deixar de ser crítico não faz sentido para a jornalista e professora Sylvia Debossan Moretzsohn. Em texto publicado pelo site Observatório da Imprensa em 25 de março deste ano, ela desconstrói esse e vários outros pensamentos defendidos por quem é contra as novas diretrizes, tendo como alvo-base um “dossiê” publicado pela revista Cult.

Apesar das críticas ao processo que definiu as novas diretrizes, Sylvia não entende como o fim do jornalismo crítico pode ser uma possibilidade assustadora se na verdade isso sempre esteve em falta no mercado. Ela também acha que a transmissão dessa capacidade não tem tanto a ver com diretrizes. “Na verdade, a perspectiva crítica dependerá, sempre, da qualidade do corpo docente e das demandas dos alunos”, afirma ela. A professora questiona a ideia de que um mediador de informações é desnecessário nos dias de hoje, já que nesse cenário de “tantos boatos, manipulações, montagens, fraudes e inconsistências que circulam no mundo virtual” a presença de um referencial de credibilidade é cada vez mais importante.

Para Karina Janz Woitowicz, professora do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa, as novas diretrizes foram um avanço para que o curso contemplasse algumas coisas que estavam esquecidas e deram uma direção na hora de elaborar o currículo. A professora esteve no campus de Vitória da Conquista onde ministrou uma palestra sobre as mulheres no jornalismo. Sobre as mudanças do curso, ela afirma que “a forma como elas estão organizadas pelos eixos mostra uma formação que contempla vários aspectos, uma formação humanística, teórica, contextual. Valoriza também a questão laboratorial, com a produção, a prática do jornalismo. A questão do estágio, que passa a ser finalmente regulamentado”. Ela acredita que a aprovação dessas novas regras tem a intenção de dar um formato mais completo para a formação.

Mas ainda há um grande desafio pela frente, como utilizar as diretrizes para produzir um novo currículo, pois é impossível dar conta de tudo que ela regulamenta: “Você vê que, se fôssemos seguir à risca, seriam cursos de oito anos e não é essa a proposta”, diz Karina. Por isso é importante seguir o perfil de cada curso, além de se atentar para as características do jornalismo na região.

Estágio regularizado

A principal mudança trazida pelas novas diretrizes é que o estágio passa a ser obrigatório. Mas não vai ser fácil encontrar espaço para os estudantes no mercado de trabalho. “Para os cursos de jornalismo do Brasil como um todo eu acho que vai ser um problema porque, como o estágio seria limitado a no máximo quatro meses, as empresas externas à universidade não teriam interesse”, diz José Duarte, professor do curso de Comunicação Social da Uesb. “Qual seria a natureza do estágio? A formação profissional do aluno. Deveria ter uma dimensão pedagógica. (…) Mas não: as agências, enquanto empresas capitalistas que objetivam o lucro, veem o estagiário como uma mão de obra barata e querem contratar por um ano”, afirma o professor.

Duarte crê ainda que agora haverá uma ênfase maior no “aprender fazendo”, com menos dissociação entre teoria e prática. De qualquer forma, ele acha importante lembrar que o que teremos a partir do ano que vem serão orientações, e não imposições. “O negócio é apenas perceber que a diretriz é uma diretriz, ela não é camisa de força. Geralmente as diretrizes implementam que 50% seja como a diretriz propõe e os outros 50% as próprias organizações educacionais estruturam”.



Educação, Sudoeste, Vitória da Conquista

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2 responses to “Uesb: novas diretrizes do curso de jornalismo ainda são um mistério para a maioria dos alunos

  1. Caro Rodrigo,

    Em nome do Colegiado e do Centro Acadêmico do curso de Comunicação/Jornalismo da UESB, convido a você, aos estudantes e aos profissionais de Vitória da Conquista para debater as novas diretrizes do MEC para os cursos de Jornalismo no próximo dia 20 de maio, às 9:30h, no Teatro Glauber Rocha. O nosso convidado do dia é o professor e jornalista baiano Sérgio Mattos, membro da comissão instituída pelo Ministério da Educação e Cultura para elaborar as referidas diretrizes.
    Aproveito a oportunidade para parabenizar os estudantes A.J. Oliveira e Fernanda Costa pela excelente reportagem acima postada.
    Um grande abraço,

    Dirceu Góes – Coordenador do Curso de Comunicação/Jornalismo da UESB

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