Sétima Arte em Destaque: As Horas

Por Gabriel José – Estudante de Cinema da Uesb

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Esse filme o classifico -o como um dos mais interessantes que já vi. uma implosão de drama, sentimentos  , mostrando de forma sensível e impactante.

Baseado no livro homônimo de Michael Cunningham, “As Horas” recebe um tratamento delicado e ímpar nas mãos do diretor Stephen Daldry, mostrando a história de três mulheres que vivem em tempos diferentes, mas que têm suas vidas ligadas ao livro “Mrs. Dalloway”, da escritora Virginia Woolf. Em 1923, vive Woolf (Nicole Kidman), que começa a escrever o romance meio a suas crises de depressão e tentativas de suicídio, causando sofrimento a seu marido e mostrando sua cabeça desequilibrada, porém efetiva. Em 1949, Laura Brown (Julianne Moore) tem uma vida aparentemente perfeita, com um marido e um filho que a amam, mas que a deixam presa a algum sentimento que ela não consegue entender.

Enquanto prepara uma festa de aniversário, Laura lê o romance de Woolf e se vê mais do que envolvida com o livro. Nos dias atuais, vive Clarissa Vaughn (Meryl Streep), uma editora de livros que mora em Nova York e prepara uma festa para seu amigo Richard (Ed Harris), um poeta que sofre de câncer que venceu um prêmio por sua obra. Histórias simples, mas que começam a viver as alterações do tempo e fatos jamais esperados vão compondo o desenrolar da trama de uma forma genial e envolvente.

Para construir um roteiro acima de tudo envolvente e que, infelizmente, não alcança a todos. O filme revela-se um estudo fenomenal sobre a vida e suas ironias, coincidências, questionamentos, resultando em um produto final assustador de tão complexo, não deixando margem para ficarmos na dúvida sobre os decorrentes fatos, mas, sim, nos dando a possibilidade de digerir cada momento que foi visto, cada diálogo, puxar para nossa própria experiência de vida e, acima de tudo, mexer com nossa subjetividade. Fatos estes que nem todos os filmes adaptados conseguem promover e que diferencia de uma boa adaptação de uma péssima. O roteiro não se preocupa tanto em explicar e sim em demonstrar o sofrimento e sensações de impotência, angústia e dor dessas mulheres, e vai evoluindo brilhantemente neste lado sentimental de cada uma. Lado este que também se aflora quando as personagens dão beijos em outras mulheres e muitos podem até não entender ou pensar que se relaciona como lesbianismo, mas cada beijo tem seu significado e é usado como símbolo de conforto, superação e salvação de cada uma.

Junto ao brilhantismo do roteiro, a competência e sensibilidade do diretor Stephen Daldry fez o conjunto para o sucesso da trama. A partir do momento em que uma história mexe mais com as emoções e tem os sentimentos como protagonistas do filme, não se pode conduzir o filme como um outro qualquer, sendo necessário, no mínimo, um feeling aguçado que não cause principalmente excessos. Nas quase duas horas de projeção, vemos, sim, alguns excessos, mas que se tornam necessários para o enredo. Excessos como explosão de sentimentos ou uma carga dramática muito forte, beirando à depressão, funcionam completamente quando bem administradas. Sem falar que Daldry se preocupou em registrar bem as expressões das personagens, estagnando a câmera e deixando-a descansar nos seus rostos, usando planos fechados para intensificar a dramaturgia.

E o elenco? Digno de boas premiações, ou pelo menos indicações. E foi o que as três atrizes principais tiveram. Nomeadas não só para o Oscar, mas incluindo memoráveis presenças no Globo de Ouro e no Bafta, não consigo ver elenco melhor que pudesse substituir Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep. As três possuem uma harmonia muito intensa e, por mais que não contracenem muito na trama, parece que estamos vendo um verdadeiro show de afinidade e competência. A vencedora do Oscar por interpretar Virginia Woolf, a belíssima Nicole Kidman, teve finalmente seu reconhecimento após ter sido injustiçada na premiação do ano anterior por ter perdido a estatueta por “Moulin Rouge – Amor em Vermelho”, filme no qual está magnífica e surpreendeu a crítica e a audiência com sua versatilidade de encarar um musical de tamanha grandeza.

E foi o que aconteceu também em “As Horas”. Entregando sua alma à Virginia, Kidman passa com clareza os distúrbios da escritora, além de mudar seu sotaque, usar uma prótese perfeita no nariz, aprender a escrever com a mão direita para realizar algumas cenas importantes e até enfrentar uma turbina instalada no rio onde sua personagem se suicida no início do filme. Nada melhor do que reconhecer sua entrega e sua maravilhosa atuação.

O mesmo acontece com Julianne Moore. Até então com pouco destaque na indústria cinematográfica, faz de Laura Brown um personagem misterioso, mas ao mesmo tempo causando uma relação de identificação com o público, justamente por ser das três a que mais dá espaço para sentirmos o mesmo que ela, suas angústias e dúvidas meio a uma vida infeliz que ela nunca desejou. Meryl Streep já é fabulosa e tem um histórico riquíssimo de bons filmes, e já era de se esperar uma maturidade maior ao interpretar Clarissa Vaughn, conseguindo compor um personagem que se comunica, acima de tudo, com o olhar. É impressionante como sentimos que Clarissa quer ser segura de si, mas nem sempre se sente em segurança. Além das três, Ed Harris faz uma participação inesquecível na pele do aidético Richard, John C. Reilly encara o esforçado Dan Brown, marido de Laura, e Toni Collete como Kitty, mesmo aparecendo só uma cena, é a responsável por um dos momentos mais emocionantes de toda a trama.

Cheio de metáforas que interferem na nossa vida, “As Horas” é, acima de tudo, um banho de profissionalismo técnico, um manual de como se fazer um verdadeiro filme dramático sem cair na superficialidade ou no lugar comum. Impecável do começo ao fim, é fato que muitos poderão não gostar da história, achando-a monótona ou melancólica, mas temos que entender que esta é a intenção do filme. Não é fácil digerir e ficamos embalados em uma tristeza múltipla a cada passo dos personagens, que fazem de seus diálogos verdadeiras máquinas de liberar suas dores e sentimentos, proporcionando momentos inesquecíveis como a conversa de Virginia e seu esposo na estação de trem. Ali somos cúmplices de um grito desesperado da escritora e é impossível não concordar ou se identificar com ela. E o mais importante: não a vemos como coitadinha, e sim como um ser humano que tem seus anseios, mesmo ouvindo vozes ou tendo problemas psicológicos e distúrbios. “As Horas” é denso e imperdível, virou clássico e, sem dúvidas, é inigualável.



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