Sétima Arte em Destaque: Um Corpo que Cai

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Por Gabriel José – Estudante de Cinema da Uesb

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Chega a ser divertido que um dos filmes mais emblemáticos de Alfred Hitchcock, este “Um Corpo Que Cai”, tenha sido esnobado por boa parte da crítica e do público quando de seu lançamento, em 1958. Esta obra-prima do mestre do suspense, estrelada por James Stewart e Kim Novak, flerta com o surrealismo e até se aventura no onírico durante alguns momentos, adicionando ainda um toque brevíssimo de animação, que se mescla muito bem aos elementos live-action para criar uma das cenas de pesadelo mais homenageadas de todos os tempos.

A trama, baseada no livro “D’Entre Les Morts”, escrito por Pierre Boileau e Thomas Narcejac especialmente para ser filmado por Hitchcock após o fracasso de uma parceria anterior , transfere a ação de Paris (locação da obra literária) para São Francisco, aproveitando o clima enevoado da cidade estadunidense para a atmosfera da narrativa.

Stewart vive John, um detetive aposentado, posto fora de ação por conta de seu medo de altura (acrofobia), contratado por um antigo colega de faculdade para seguir sua bela esposa, Madeliene, defendida pela estonteante Novak, uma mulher atormentada por uma aflição desconhecida que pode ou não ter origem sobrenatural.

As mudanças pelas quais a personagem de Novak passa no decorrer da história são perceptíveis não apenas pelo roteiro, mas por detalhes sutis de atuação e até mesmo pelas roupas por ela utilizadas, em uma sacada magistral do diretor e da retomada figurinista Edith Head (preste muita atenção nas cores das roupas, detalhe fundamental da história).

Por sua vez, Stewart passa por um doloroso arco que envolve amor, obsessão e vingança, sentimentos típicos da filmografia de Hitchcock que são traduzidos de maneira deveras expressiva pelo gabaritado intérprete. Interessante notar que, por um longo período, Madeleine surge apenas como uma visão para John, um objeto a ser perseguido, com a fascinação do detetive por ela já existindo antes mesmo da primeira troca de palavras entre os dois.

O roteiro de Samuel Taylor altera, a pedido de Hitchcock, alguns elementos da progressão da história, especialmente o fato de que o público descobre a grande virada da trama antes do protagonista, que é mantido no escuro durante todo o terceiro ato, para nossa agonia e prazer do cineasta, que adorava fazer a plateia sofrer até o último fotograma.

Todos os colaboradores do lendário diretor estão em plena forma, especialmente o maestro Bernard Hermann que, em uma trilha quase que wagneriana em sua força, alterna seus tons entre a melancolia de um amor impossível e a tensão desenfreada. A importância da trilha é tamanha dentro da narrativa que, em dado ponto do filme, temos quase 20 minutos embalados apenas pelas composições de Hermann, sem nenhum diálogo.

O diretor de fotografia Robert Burks contribuiu imensamente para o visual fantasmagórico e etéreo que toma conta da tela durante determinados trechos da fita. Além dos elementos psicodélicos que surgem durante a história, incluindo aí a histórica sequência de créditos elaborada por Saul Bass, ainda temos o primeiro uso do contrazoom criado pelo operador de câmera Irmin Roberts, movimento utilizado para criar a ilusão de vertigem. O design de produção ainda carrega influências do expressionismo alemão, visível na imagem retorcida da escadaria da torre do sino.

Contando uma mais que eficiente história repleta de temas atemporais de um modo visualmente chocante até para os padrões modernos, “Um Corpo Que Cai” é um dos filmes mais poderosos do mestre do suspense e uma obra-prima que merece ser vista por todos.



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