Sétima Arte em Destaque: O Artista

Por Gabriel José – Estudante de Cinema da Uesb

img-364416-cena-do-filme-o-artista

Que a França foi o berço do Cinema, isso não há sombra de dúvida. Porém, foi nos EUA que a Sétima Arte deu os primeiros passos que a levaram em direção ao pote de ouro do chamado cinema clássico. No glamour de Hollywood, as produções mudas dos anos 20 conheceram astros como Rodolfo Valentino, Charles Chaplin e  Douglas fairbanks

A obra que melhor expressou a migração do silêncio ao som (inaugurada com “O Cantor de Jazz”, de 1927) foi, obviamente, o musical “Cantando na Chuva” (1952). Em “O Artista”, o cineasta francês Michel Hazanavicius dirige e roteiriza uma grande homenagem às produções mudas daquele tempo. Michel se mostra um grande conhecedor da era de ouro do cinema e nos entrega uma direção majestosa. Ele sabe exatamente o que fazer para nos entreter e consegue claramente passear entre diversos gêneros, sendo cômico, triste e aventureiro no tempo certo. A metalinguagem é usada com maestria e dizer que tiveram toda cautela com os aspectos técnicos é pouco. Está tudo ali! Aos seus olhos e nada precisa ser dito para que o sentimento recebido seja o mesmo. A fotografia do filme é esplêndida e ambientação é feita nos mínimos detalhes.

A direção de arte é demais e trabalha em sintonia com o figuro. Até momentos que não são de filmes mudo fazem parte do longa, mas estes são aplicados com maestria e em situações chave. Em suma, estamos diante de um grande trabalho, que merece todos os elogios e prêmios que recebeu, É um filme que em sua excentricidade, vira contagiante. Diferente de tudo que andamos vendo recentemente.

Em 1927, acompanhamos George Valentin (o ator francês Jean Dujardin) que, grande estrela do cinema, atua em filmes que misturam ação e romance, sendo sucesso garantido de público. Qualquer semelhança com o  astro Rodolfo Valentino não é mera coincidência.

Junto ao seu fiel cachorro e coadjuvante nas películas, George é a máquina de fazer dinheiro da Kinograph Studios, chefiada pelo grande diretor do estúdio, Al Zimmer (John Goodman). Com um casamento em profunda crise com Doris (Penelope Ann Miller), o astro, durante a histeria de uma multidão de fãs, é fotografado junto de Peppy Miller (Bérénice Bejo) que, imediatamente, se torna alvo da imprensa. Aspirante a atriz, a jovem estréia em um filme ao lado de George e o rápido convívio dos dois faz nascer uma paixão mútua, mas que colocaria a carreira e o casamento do ator em maus lençóis.

Nesse ínterim, Peppy, rapidamente, ganha espaço na telona e, em 1929, com a eclosão do cinema falado, criando um conflito de interesses entre os dois: enquanto George, orgulhoso, decide preservar a arte muda e se recusa a falar em seus filmes, a atriz alça uma carreira incrivelmente repentina rumo ao som. A George resta o esquecimento, observando como mero espectador o estrelato da, agora estrela, Peppy Miller.

De forma surpreendente, “O Artista” conquistou a crítica norte-americana, não somente por homenagear o cinema ianque, mas também por resgatar de forma notável a aura das produções de uma época onde letreiros de diálogos dividiam espaço com atuações teatrais, dignas de forte expressionismo. E por conseguir se destacar na atual filmografia mundial, onde produções com explosões em ritmo de videoclipe e franquias multimilionárias monopolizam os grandes cinemas, o longa  traz de volta a inocência de contar uma história onde intertextualidade e homenagem caminham juntas de forma primorosa. E o mais surpreendente: em um filme mudo.

Indicado a dez prêmios no Oscar, venceu 5 prêmios  incluindo Melhor Filme, Diretor, Michel Hazanavicius,  Ator, Jean Durjadin Trilha Sonora e Figurino , “O Artista” se destaca, justamente, por reciclar todos os clichês do gênero de forma leve, sem maiores pretensões. Irônico, levando em conta que esses mesmos clichês eram a grande novidade quando o cinema começou a caminhar com as próprias pernas e, claro, não teriam caído no lugar comum das produções se não fossem constantemente utilizados com o passar do tempo, Hazanavicius dá uma volta de 360 graus para utilizar esses mesmos recursos “batidos” em uma obra, digamos, clássica. Simples e inteligente, para dizer o mínimo.

Com leveza e inocência – nem tão puros assim – a obra oferece aos saudosistas de plantão um filme suave que, mesmo em momentos de drama intenso, não perde o fio da meada e nem a atenção do espectador. Os responsáveis por tal louvor são inúmeros: a sensualidade, o talento e o carisma de Jean Dujardin e seu bigode à la Errol Flynn (astro de filmes de ação dos anos 30, 40 e 50); a doçura, o despojamento e a beleza convencional de Berenice Bejo; a direção de arte impecável que nos coloca diante da Era de Ouro do cinema hollywoodiano como se fosse ontem; a trilha estonteante e milimétrica de Ludovic Bource que cai como uma luva durante os exatos 100 minutos de projeção;

Com cenas que já devem ficar cravadas na memória do público (como esquecer Peppy  Miller vestindo o paletó de George em um jogo de cena quase lúdico ou o pesadelo do astro em um medo psicossomático de, simplesmente, pronunciar as palavras?) temos a nítida sensação de estarmos em uma sessão de uma comédia romântica, literalmente,  feita à moda antiga. Por outro lado, “O Artista” ainda cutuca a ferida do amargo gosto do ostracismo experimentado pelos astros do então cinema mudo. Afinal, nem só de sonho bom sobrevive a sala escura. E com os trunfos do som vieram, também, as consequências, em que outra obra explicitou de forma magistral: “Crepúsculo dos Deuses”, de 1950.

De charme e delicadeza louváveis, o longa traz, ainda, presenças ilustres de atores em papéis menores, como James Cromwell como o fiel motorista Clifton e a ponta de um irreconhecível Malcolm McDowell (automaticamente lembrado por seu papel em “Laranja Mecânica”). Porém, o filme é mesmo de Jean Dujardin, que entrega um personagem capaz de emocionar em todo seu silêncio e encantar em cheio com seu carisma. Extremamente expressivo, o ator francês consegue, ainda, mostrar o peso dos anos de esquecimento em seu olhar e físico, em um conjunto que rendeu o Oscar  de melhor ator e ,  Melhor Ator em Cannes, no Globo de Ouro e no Screen Actor Guild (SAG). E, diante de tantos méritos, “O Artista” comprova que uma imagem pode, realmente, valer mais do que mil palavras; especialmente em se tratando de cinema, capaz de unir franceses e americanos, lendários por suas divergências.



Artigos, Cultura, Vitória da Conquista

Comentário(s)